Pobres votaram contra reforma de Chávez temendo expropriação

Reforma criava novas formas de propriedade e facilitava confisco de bens pelo Estado

 

CARACAS

A favela do Petare lembra a Rocinha. A rua asfaltada que sobe o morro íngreme vai se estreitando até se dispersar em vielas de cimento, ladeadas por escadarias levando a barracos que se apóiam em lajes e pilares de concreto, desafiando as leis da gravidade e da engenharia. No acidentado relevo desse bairro densamente povoado do extremo leste da Grande Caracas, como noutras áreas pobres, o presidente Hugo Chávez, habituado a ganhar todas as votações, conheceu o gosto da derrota no referendo de domingo.

À uma da tarde, Ana Rodríguez vem subindo, ofegante, uma dessas escadarias, com os filhos Roiker e Robinson, atrasados para levar a pequena marmita com o almoço do pai, que trabalha como serralheiro. “Das outras vezes votei no presidente, mas no domingo votei ‘não’ porque não estava de acordo com aquelas mudanças”, diz Ana, dona-de-casa de 37 anos.

“Disseram que iam me expropriar, e eu digo: ‘Como assim?’”, indigna-se Ana. Ela mora num barraco próprio e conseguiu construir outro, que aluga por 200 mil bolívares (US$ 93, no câmbio oficial). “Porque tenho casa alugada, estou me tornando milionária? Construímos com trabalho, sem prejudicar ninguém. Assim como meu marido, outros também podem trabalhar.”

A reforma constitucional rejeitada no referendo introduzia a propriedade “social”, “comunal” e “coletiva”, ao lado da privada, e tornava efetivo o confisco de bens pelo Estado antes de decisão final da Justiça. A oposição difundiu a versão de que o governo ia expropriar a propriedade privada. Chávez negou – sem êxito, como se vê.

Muitos pobres na Venezuela sentem que têm o que perder. O irônico é que Chávez contribuiu para isso: o barraco de Ana foi construído com material doado pela prefeitura de Sucre, que administra o Petare, com verba de um programa do governo central. Mas ela não se comove: “É um direito que temos todos os venezuelanos. Muita gente ganhou o material e o vendeu. A corrupção nunca vai acabar neste país.”

Já seu filho Robinson, de 19 anos, que terminou o segundo grau e trabalha ajudando o pai a tirar 2 milhões de bolívares (US$ 930) por mês, conta que votou no “sim” em retribuição pelo material de construção.

 

O mesmo aconteceu com Yesenia Velásquez, de 29 anos. O barraco onde ela mora com o marido, dois filhos e a sogra tinha só um quarto. Com o material doado pelo prefeito chavista José Vicente Rangel Avalos, seu marido, que trabalha de motorista, ergueu o andar de cima, com mais dois quartos. “E ainda tem material aí”, alegra-se Yesenia. 

Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*