Poder de compra tem aumento brutal, mas setor privado encolhe

Em 4 anos, renda média das famílias da classe E, que representam 58% da população, saltou 245%, só que a produção não acompanha a demanda

 

CARACAS

Ao lado do aumento no salário mínimo, a renda dos venezuelanos tem sido incrementada por uma explosão nas contratações no serviço público e por vastos programas de bolsas para estudantes de supletivos, de cursos superiores alternativos e de capacitação para donas-de-casa. Essas bolsas vão de 180 mil bolívares a 500 mil (US$ 84 a US$ 233, no câmbio oficial). Pode parecer pouco. 

“Com esse dinheiro, compro a comida e pago parte das despesas médicas”, diz Carmen Garrido, de 33 anos, separada, mãe de quatro filhos, que faz o ensino médio na Missão Ribas e recebe 180 mil bolívares por mês. Como camelô, ela ganha 30 mil por dia. 

Missões não faltam na Venezuela de Chávez. Arnaldo Infante, de 33 anos, recebe uma bolsa de 350 mil bolívares para trabalhar na Missão Energética, que consiste em ir de casa em casa trocando lâmpadas incandescentes por fluorescentes, e assim economizar energia. Na próxima fase, a missão vai instalar reguladores de consumo nas geladeiras.

Victor Mora, de 31 anos, estudante de serviço social, ganha meio salário mínimo (307 mil bolívares) para trabalhar como “brigadista” na “conscientização” de jovens, pelo Instituto Nacional da Juventude. Mora faz parte da tropa de choque que tomou a Escola de Trabalho Social, num confronto com estudantes contrários à reforma constitucional, na Universidade Central da Venezuela, dia 14.

E há quadros profissionais, como Erickmar Rodríguez, de 25 anos. Graduada em serviço social em Cuba, ela tem salário de 1 milhão de bolívares (US$ 466) no Instituto Municipal para a Juventude de Caracas (cujo prefeito é o chavista Freddy Bernal), que dá “formação acadêmica, esportiva, cultural e ideológica” aos jovens.

Além de formar uma sólida rede de apoio ao regime, essa miríade de programas repercute sobre a economia. Estudo feito pela empresa de pesquisas Datos mostra que, nos últimos quatro anos, a renda média mensal das famílias da classe E, que representam 58% da população, saltou de 286 mil para 987 mil bolívares (245%), enquanto na classe D subiu de 760 mil para 1,264 milhão (66%).

O irônico é que foi justamente esse aumento brutal no poder de compra que levou ao desabastecimento: a produção, restrita pelo encolhimento do setor privado, é incapaz de acompanhar a demanda. O problema tende a se agravar. 

Eduardo Gómez Sigala, presidente da Confederação Venezuelana de Industriais, adverte que, no primeiro trimestre de 2008, haverá maior escassez. Mesmo com o bolívar mantido artificialmente alto (mais do dobro do câmbio paralelo), o congelamento torna impraticável a importação de produtos com preços tabelados muito abaixo do seu valor no mercado internacional. Além disso, os desestímulos aos investimentos privados, como excesso de regulação, impostos altos, entraves burocráticos e estatização de empresas, diz Sigala, levaram ao fechamento de 6 mil fábricas, ou 40% do pequeno parque industrial venezuelano, desde a eleição de Chávez, em 1998.

O congelamento de preços é a resposta do governo às pressões da inflação, que registrou 17% de outubro a outubro, deve fechar em 18% este ano e em 21% em 2008, segundo estimativa do economista Asdrúbal Olivero, da Ecoanalítica. 

Na Venezuela, até para os estrangeiros que embarcam de volta para seus países é proibido trocar bolívares por dólares, tamanha a escassez de divisas enfrentada pelo país, apesar de ser um dos maiores exportadores de petróleo do mundo. A explicação para isso está na explosão dos gastos públicos, que tende a aumentar. Do orçamento de 137 trilhões de bolívares em 2008 (dos quais, 51,7 trilhões provêm do petróleo), Chávez promete destinar no mínimo 5% para os “conselhos populares” e as novas empresas que eles poderão possuir, uma vez aprovada a reforma constitucional. 

O pior é que a receita do petróleo, apesar do aumento do preço, tem caído há cinco trimestres consecutivos. De acordo com o especialista Elie Habalián, a produção diminuiu de 2,65 milhões de barris por dia em 2003 (em vez dos 3 milhões que o governo afirmava produzir) para 2,45 milhões. As causas, segundo ele, são a falta de investimentos e a incompetência dos técnicos que assumiram depois do expurgo de 20 mil funcionários da estatal PDVSA no início de 2003, ao fim de uma greve contra Chávez. “Desde o fim da greve, a produção e a qualidade dos produtos vêm minguando, e vão seguir assim por algum tempo”, prevê Habelián, que foi governador venezuelano na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) em 2003.

 

Chávez criou uma equação difícil de fechar.

Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*