‘Velho Oeste’ do país lembra a Colômbia antes de Uribe

Guerrilheiros cruzam fronteira, seqüestram, pedem propinas e fazendeiros pagam grupos de paramilitares

 

CARACAS

Eram por volta de 10 horas do dia 2 de junho de 2003, uma segunda-feira. Porfilio Dávila Arellano, então com 63 anos, trabalhava em sua fazenda, onde cultivava café e engordava boi, em Rubio, no Estado venezuelano de Táchira, a 20 minutos da fronteira com a Colômbia. Foi quando os homens chegaram. Eles pertenciam ao grupo guerrilheiro colombiano Exército de Libertação Nacional (ELN) e exigiram US$ 300 mil para libertar Dávila.

“Negociamos e baixamos muitíssimo”, recorda o filho de Dávila, um veterinário de 38 anos, que tem o mesmo nome do pai, e conduziu as negociações. “Falei com o mesmo guerrilheiro mais de 40 vezes em menos de 30 dias.” Na última chamada, disseram que tinham entregado seu pai a um outro grupo e nunca mais fizeram contato.

Vinte dias depois do seqüestro, o guerrilheiro pediu a Dávila que fizesse duas perguntas que só seu pai pudesse responder, para dar-lhe uma prova de vida. Dávila fez as perguntas. “Ele não quis responder, rasgou sua cédula de identidade e pediu que o matassem”, contou o guerrilheiro. Essa reação fez Dávila ter certeza de que era seu pai. “Meu pai é um homem de princípios”, explica Dávila, usando o verbo no presente, embora tema que seu pai esteja morto. “E isso não ajuda.”

A agonia dos Dávilas se repete em mais de 20 famílias de Táchira e mais de 80 em toda a Venezuela, que têm parentes seqüestrados. Nos Estados de Zulia, Táchira e Apure, na fronteira com a Colômbia, há uma particularidade: boa parte dos seqüestros é reivindicada por guerrilheiros do ELN e das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), e por um grupo venezuelano inspirado neles, a Frente Bolivariana de Libertação (FBL).

Essas organizações atuam com relativa liberdade nos Estados venezuelanos limítrofes com a Colômbia, de onde importaram técnicas como a cobrança de “vacinas” – a taxa de extorsão dos fazendeiros, para permitir que eles continuem visitando suas terras sem serem seqüestrados ou mortos. Em reação à presença guerrilheira, como ocorreu na Colômbia, surgiram na região grupos paramilitares, dedicados a proteger os empresários – também mediante pagamento.

Um fazendeiro contou ao Estado que entrega anualmente seis cabeças de boi a um intermediário da FBL para poder continuar trabalhando. Outros pagam dez. Tornou-se comum os fazendeiros fazerem apólices de seguro contra seqüestro, no valor de US$ 1.000 a US$ 2.000 anuais. Outros simplesmente abandonaram suas terras.

 

O cenário lembra a Colômbia antes de o presidente Álvaro Uribe chegar ao poder, em 2002, e lançar uma guerra total contra a guerrilha e o narcotráfico que a sustenta.

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