Venezuela vota dividida ao meio

População decidirá se Chávez poderá se reeleger indefinidamente; 16% ainda estão indecisos, segundo pesquisa

 

CARACAS – A camelô Érica Zanabria não hesita quando lhe perguntam como vai votar no referendo de hoje sobre a emenda constitucional que prevê a reeleição ilimitada do presidente, governadores e prefeito. “Sim”, diz ela, com um sorriso largo, que revela as falhas nos dentes. 

Érica, de 30 anos, vendia barras de chocolate num ponto de ônibus do centro de Caracas. Até que, há três meses, o então prefeito do distrito de Libertador, Freddy Bernal, afilhado político de Chávez, “deu-lhe” uma vaga para uma banca no Centro Comercial Cipriano Castro, um camelódromo. Érica passou a vender roupas, e seu rendimento líquido saltou de 150 para 300 bolívares (cerca de R$ 300). “Minha vida melhorou”, conclui.

María Jesús Varela também não tem a menor dúvida. “Rotundamente, não”, rejeita María, de 61 anos, que trabalha como caixa numa loja de roupas de cama e mesa, no centro de Caracas. María diz que nunca teve salário alto, mas, nos governos anteriores, tinha mais poder aquisitivo, pôde comprar um apartamento e colocar seus dois filhos na universidade. Agora, com seu salário de mil bolívares (cerca de R$ 1 mil), mal consegue pagar o supermercado do mês. “Nossa moeda não vale nada.”

Érica e María representam bem as duas Venezuelas que se enfrentam hoje. O grosso do eleitorado de Chávez é formado pelo contingente de excluídos, de informais, que encontraram no seu regime alguma forma de inclusão e de representação imediata. É o que o historiador Manuel Caballero chama de “buonerização” (“buonero” significa camelô) da política. 

Os programas sociais criados por Chávez, chamados de “missões”, empregam 800 mil pessoas, com salários de cerca de mil bolívares. As 25 missões beneficiam, segundo o governo, 15 milhões de pessoas, ou metade da população. E há os 4 milhões de funcionários públicos, cujas escolhas políticas são monitoradas de perto pelos seus superiores. Isso, num universo de 17 milhões de eleitores.

Do outro lado, estão pessoas, como María Jesús, que trabalham – e já trabalhavam, antes de Chávez – com carteira assinada, empresários e profissionais liberais, que não são necessariamente de direita, mas não sentem que devem algo ao presidente, assustam-se com a voracidade com que ele se agarra ao poder e não se deixam convencer por sua retórica.

A Venezuela está dividida ao meio. É o que indicam o referendo de dezembro de 2007 (em que Chávez também tentou obter a reeleição ilimitada e foi derrotado por 51% a 49%), as eleições estaduais de novembro do ano passado (em que a oposição teve 45% dos votos) e as pesquisas. 

Segundo sondagem do instituto Datanálisis do dia 9, o “sim” venceria por 4 pontos porcentuais se fosse perguntado aos eleitores se eles aprovam ou não a reeleição ilimitada; quando confrontados com a tortuosa formulação da pergunta, como ela será feita hoje nas urnas, a vantagem aumenta para 6,6 pontos: “Você aprova a emenda dos artigos 160, 162, 174, 192 e 230 da Constituição, tramitada pela Assembléia Nacional, que amplia os direitos políticos do povo, com o fim de permitir que qualquer cidadão ou cidadã no exercício de um cargo de eleição popular possa ser sujeito de postulação como candidato ou candidata para o mesmo cargo, pelo tempo estabelecido constitucionalmente, dependendo sua possível eleição, exclusivamente, do voto popular?”

 

A pesquisa indica 16% de indecisos. O diretor do Datanálisis, Luis Vicente León, adverte: “Com esse resultado, não se pode dizer quem vai ganhar.”

Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*