Vitoriosos, antichavistas buscam união

Após impor a Chávez sua primeira derrota eleitoral em 9 anos, oposição também propõe diálogo e reconciliação

 

CARACAS

Depois da dramática vitória no referendo sobre a reforma constitucional, a oposição venezuelana exortou ontem o país à reconciliação e ao diálogo. Os principais líderes da campanha pelo “não” à reforma, que venceu por estreita margem, fizeram apelos ao presidente Hugo Chávez para que abandone o método do “conflito” e da “exclusão” dos setores que ele qualifica como “oligárquicos”. Tradicionalmente fragmentada, a oposição discutia ontem formas de manter a sua união, que possibilitou a vitória no referendo.

Segundo boletim divulgado de madrugada pelo Conselho Nacional Eleitoral, quando 88% dos votos haviam sido contados, tanto o bloco A da reforma, proposto pelo presidente Chávez, quanto o B, apresentado pela Assembléia Nacional por ele dominada, foram rejeitados, ainda que por estreita margem. No bloco A, o “não” obteve 50,70% dos votos e o “sim”, 49,29%. Já no bloco B, o “não” venceu por 51,05% a 48,94%. A abstenção foi de 44,11%. Reeleito com mais de 7 milhões de votos na eleição presidencial de dezembro do ano passado, Chávez perdeu cerca de 3 milhões de votos nesse referendo, depois de ter dito, durante a campanha, que o voto no “sim” seria um voto nele e no “não”, no presidente George W. Bush. 

Fortalecidos pelo triunfo, em grande medida possibilitado pela sua mobilização, os líderes estudantis procuravam ontem assegurar o seu espaço político no novo cenário. “Nossa intenção é substituir as lideranças políticas da Venezuela”, disse ao Estado Juan Carlos Valencia, dirigente estudantil no Estado de Táchira, onde esse movimento teve início, numa disputa com militantes chavistas, em meados do ano passado. “Foi graças à liderança do movimento estudantil que se deu essa vitória de ontem (domingo).” Segundo Valencia, se os partidos não “abrirem espaço” para esses novos líderes, ou se não se mantiverem unidos, os dirigentes estudantis cogitam criar um partido próprio. 

“Não se trata de atropelar ninguém, mas de que podemos conviver todos”, explicou Stalin González, líder estudantil da Universidade Central da Venezuela (UCV). “Quero fazer o mesmo chamado do presidente Chávez: sentarmos. Juntos, podemos construir uma Venezuela distinta, e todos em uma mesa podemos fazer esse país avançar”, disse González, referindo-se ao tom conciliatório adotado por Chávez no pronunciamento da madrugada de ontem, quando reconheceu a derrota.

“O resultado do referendo mostrou que é possível conseguir as coisas pela via eleitoral”, disse Luis Ignacio Planas, secretário-geral da Copei, o partido que se revezou no poder durante quatro décadas com a Ação Democrática, até que ambos foram alijados pela ascensão de Chávez, eleito pela primeira vez em 1998. Planas elogiou a “galhardia” do presidente em reconhecer a derrota. “Esse deve ser um momento de reflexão para ele. O país não pode seguir em confronto e violência”, disse o dirigente social-cristão. “A primeira coisa que ele deve fazer é convocar as outras forças políticas a um diálogo, para que possamos nos reencontrar, nos reconciliar.”

“A vitória é um estímulo para a oposição traçar estratégias comuns”, disse ao Estado Margarita López, do Centro de Pesquisas e Estudos do Desenvolvimento, da UCV. Ela considera, no entanto, que o resultado do referendo foi mais uma derrota de Chávez do que uma vitória da oposição. “O referendo mostrou que há uma parte importante do chavismo que é politizada e não está disposta a dar-lhe um cheque em branco.” Na opinião da pesquisadora, os dois fatores que pesaram mais na rejeição por parte dos chavistas foram a insistência na reeleição indefinida e a percepção de que, para reformar a Constituição, seria necessária uma nova Assembléia Constituinte.

Os analistas apontam também a crise de desabastecimento de produtos como leite, açúcar e ovos, a não renovação da licença do canal RCTV, a atuação dos estudantes e a repressão ao seu movimento e a ruptura do general Raúl Baduel, ex-ministro da Defesa.

A proposta possibilitava ao presidente, além de reeleger-se indefinidamente, criar, por decreto, cidades e províncias federais administradas por pessoas nomeadas por ele; vinculava as Forças Armadas à ideologia do “socialismo bolivariano” e dava-lhes poder de polícia; criava uma Milícia Bolivariana; introduzia formas de propriedade “comunais”, “sociais” e “coletivas”; e institucionalizava conselhos comunais, instâncias paralelas de representação patrocinadas pelo governo central, entre outras mudanças radicais.

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