Afeganistão tem eleição histórica

Karzai, atual presidente, é favorito na votação de quinta-feira; prioridade dos eleitores é segurança, diz pesquisa

CABUL – Os afegãos vão às urnas na quinta-feira, na segunda eleição presidencial de sua história, para escolher quem está mais preparado para garantir a sua segurança, na fase mais violenta do conflito desde a invasão americana, em outubro de 2001. O presidente Hamid Karzai, candidato à reeleição, é o favorito nas pesquisas, graças à sua experiência e capacidade de atrair o apoio da comunidade internacional e dos líderes tribais. Seu principal oponente, o ex-chanceler Abdullah Abdullah, possui as credenciais de ter lutado contra os soviéticos e os taleban, ao lado do lendário general tajique Ahmed Shah Massud, morto num atentado dois dias antes dos ataques de 11 de setembro de 2001.

Segundo pesquisa divulgada na sexta-feira pelo Instituto Republicano Internacional (IRI), organização não-governamental e apartidária americana que monitora o processo eleitoral no Afeganistão, 44% dos eleitores pretendem votar em Karzai. Em segundo lugar vem Abdullah, com 26%, seguido pelo ex-ministro do Planejamento e deputado Ramazan Bashardost, com 10%, e pelo ex-ministro das Finanças Ashrafi Ghani, com 6%. A sondagem, que ouviu 2.400 afegãos em todo o país, revela que a segurança é o problema mais importante para 34% dos entrevistados; para outros 5%, os conflitos internos e para 2%, o terrorismo – três problemas relacionados. O desemprego é apontado por 17% e a economia, também um tema correlato, por 16%. A corrupção vem depois, com 4%, ao lado da pobreza e do analfabetismo.

Na eleição de outubro de 2004, Karzai, chefe do governo interino desde 2002, elegeu-se no primeiro turno, com 55,4% dos votos. Dessa vez, se as pesquisas estiverem certas, haverá segundo turno seis semanas depois da votação do dia 20.

Karzai tem respondido ao conflito buscando assegurar o apoio da comunidade internacional e boas relações com os vizinhos Paquistão, Índia e Irã; aumentando o número de soldados e policiais afegãos, atualmente 92 mil e 83 mil, respectivamente; aliando-se aos líderes tribais e ex-comandantes mujaheddin (que resistiram à ocupação soviética entre 1979 e 1989); e acenando com diálogo com os taleban depois da eleição.

Em 2001, Karzai emergiu do exílio como o favorito dos americanos e europeus para governar o país, sendo confirmado por uma loya jirga (assembléia de líderes tribais) em dezembro daquele ano. Nos últimos meses, esse apoio tem sofrido severa erosão, com críticas de corrupção e incompetência administrativa.

Ainda assim, o presidente é favorecido pela dispersão dos adversários. “Se a oposição estivesse unida, o quadro seria outro”, analisa Haroun Mir, diretor do Centro de Pesquisas e Estudos de Políticas do Afeganistão. A cédula terá 42 nomes, embora 6 deles tenham retirado suas candidaturas em favor de outros. “Para os eleitores afegãos, a maioria (perto de 90%) analfabeta, será muito confuso identificar os candidatos em fotos pequenas. Karzai, o mais conhecido, levará vantagem”, prevê Mir. Segundo o analista, o presidente é visto como um bom conciliador e um mau administrador. Ghani, doutor em antropologia pela Universidade de Columbia (Nova York), foi o que apresentou nos debates as propostas mais sólidas, mas tem apelo apenas entre os intelectuais, descreve Mir.

“Sei que Karzai não é o mais instruído, mas vou votar nele porque ainda tem apoio internacional e, com cinco anos de experiência como presidente, é capaz de enfrentar os problemas internos e externos”, diz Ghazal Hassan, de 24 anos, formada em ciência política e funcionária do Ministério das Relações Exteriores. “Karzai tem mais experiência e pode atrair a atenção do mundo para o Afeganistão”, concorda Rahman Gul, de 22 anos, que abriu uma loja de cortinas no ano passado e vai bem nos negócios. Filho de feirante, ele diz que o comércio de frutas também melhorou muito, graças à melhora do escoamento das províncias para Cabul.

O Afeganistão produz damascos, maçãs, melancias, melões, amêndoas e nozes de excelente qualidade. Mas elas são vendidas a preços baixos no mercado interno por causa da dificuldade de exportá-las. O Paquistão impede a passagem dos produtos para o melhor mercado da região, a Índia, com a qual se mantém em estado de guerra; os Estados Unidos não deixam os afegãos exportar para seu inimigo Irã, o outro mercado atraente da região.

Nesses anos de ocupação, floresceu uma classe média instruída, que trabalha para as agências internacionais e para as forças estrangeiras, recebendo em dólar. Mas ela representa entre 10% e 15% da população, calcula Mir, economista pela Universidade George Mason (Virgínia, EUA). “Entre 40% e 50% dos afegãos, especialmente jovens das cidades, não têm emprego decente.”

Shoiab, de 25 anos, que como muitos afegãos não tem sobrenome, voltou há três anos do Irã, onde trabalhava como metalúrgico, porque lhe disseram que a reconstrução do Afeganistão demandava mão-de-obra. Não conseguiu emprego e está desapontado com Karzai. “Vou votar em Abdullah, porque ele nunca saiu do Afeganistão, e conhece nossa situação muito bem”, diz Shoiab. Educado na Índia, Karzai viveu no exílio durante o regime do Taleban (1996-2001). “Abdullah participou da jihad (guerra santa) contra a União Soviética e da resistência contra o Taleban, sempre esteve no Afeganistão e conhece nossa dor muito bem”, confirma Tawab Rahman, de 22 anos, estudante do ensino médio e também desempregado.

“A situação tem melhorado”, testemunha Mohammed Alim, que tem “entre 65 e 67 anos” (registros de nascimento são uma prática recente no Afeganistão) e é dono de uma loja na Chicken Street, o popular bazar de Cabul. “Mas vou votar em Abdullah porque no governo Karzai o dinheiro doado pela comunidade internacional desapareceu. Se tivesse distribuído, cada família teria recebido centenas de milhares de dólares.”

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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