Eleição mostra deterioração da situação no Afeganistão

Intimidação do Taleban funcionou e irregularidades expuseram fragilidade das instituições

CABUL – A eleição de quinta-feira serviu para aprofundar a sensação de que a situação no Afeganistão está se deteriorando. O Taleban não foi capaz de realizar nenhum grande ataque no dia da eleição, mas o comparecimento visivelmente baixo demonstrou que a sua campanha de intimidação funcionou. Além disso, as irregularidades expuseram a fragilidade das instituições afegãs.

“A eleição anterior (de 2004) foi gerida pela ONU e os desafios não eram tantos”, compara Niamatullah Ibrahimi, pesquisador no Afeganistão do Centro de Pesquisas sobre Estados em Crise, ligado à London School of Economics and Political Science. “Havia certo nível de segurança. O Taleban não era tão forte quanto agora. Aquela eleição foi muito mais confiável e legítima.”

Para Niamatullah, os afegãos, apesar de não terem experiência com a democracia – essa foi a segunda eleição presidencial de sua história – não tendem a aceitar a manipulação como algo normal. “Antes da eleição, muitos afegãos achavam que ela seria decidida pelos americanos”, disse ele. “Mas durante a campanha a mídia mobilizou as pessoas, e muitos passaram a acreditar que tinham o direito de escolher o próximo presidente.”

O analista desmente a noção segundo a qual a maioria pashtun no sul apoiaria Karzai, pertencente a essa etnia. Isso, não só porque o presidente abriu espaço para outras etnias – tajiques e hazaras – em seu governo, mas também porque eles estão “sofrendo demais lá com a presença do Taleban, e também por causa da corrupção” na administração de Karzai.

Niamatullah teme que a credibilidade do próximo governo seja severamente abalada pela forma como foi conduzida a eleição. “Se tivesse havido eleição de verdade, não acho que Karzai teria tido muitos votos no sul”, disse ele. “Os pashtuns sabem que não votaram em Karzai, embora as urnas estejam cheias de votos para o presidente. Eles não vão aderir a esse governo, num momento em que o Afeganistão precisa de um governo forte, seja para negociar com o Taleban ou para enfrentá-lo militarmente.”

Niamatullah acha duvidoso também que o Afeganistão esteja progredindo na direção de um Estado nacional. Segundo ele, o Exército é mais coeso e menos dividido segundo lealdades étnicas e tribais do que a polícia, que hoje conta com 83 mil integrantes.

“A polícia foi formada da seguinte maneira: os comandantes que ajudaram a derrubar o Taleban declaravam que sua milícia passaria a ser a polícia de uma área, e estava resolvido”, diz ele. Já o Exército tem feito seu recrutamento respeitando a proporção dos grupos étnicos na população.

Mas a pressa em aumentar rapidamente o efetivo do Exército – hoje 92 mil homens – tem sacrificado a qualidade, observa o pesquisador. “No nível do comando, algumas províncias estão sobre-representadas, e noutras, muita gente está reclamando que não temos um Exército nacional.” 

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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