Na reta final, Karzai consolida aliança com ‘senhores da guerra’

Volta ao exílio de líder usbeque expõe plano do presidente afegão de buscar apoio de outras etnias para eleição do dia 20

CABUL – O presidente Hamid Karzai selou sua aliança com os principais chefes de milícias afegãos, com a volta do exílio do ex-general Abdul Rashid Dostum, líder da etnia usbeque, que se concentra no norte do país. Dostum foi recebido ontem com festa por milhares de partidários em Shiberghan, seu reduto no norte do país. Ele chegou ao Afeganistão no domingo à noite, horas depois da divulgação de um comunicado do palácio presidencial, de que não havia nenhum obstáculo para seu retorno ao país. A volta de Dostum aumenta a percepção de que Karzai procura consolidar seu poder aliando-se aos chefes de milícias, também conhecidos como “senhores da guerra” (tradução de “warlords”, em inglês).

Chefe de gabinete do comandante das Forças Armadas, Dostum, um ex-comunista acusado de crimes de guerra, teve de fugir para a Turquia no ano passado, depois de ter sido denunciado pela Procuradoria da República pelo sequestro de Mohammed Akbar Bai, seu desafeto político. O processo tinha o apoio tácito do presidente, que procurava até o início do ano passado distanciar-se dos chefes de milícias, por pressão da comunidade internacional.

Agora Karzai voltou a cercar-se dos “senhores da guerra”. No caso de Dostum, o objetivo é neutralizar a ascensão de seu principal adversário na eleição presidencial de quinta-feira, o ex-chanceler Abdullah Abdullah, de mãe tajique e pai pashtun. Com 25% das intenções de voto, contra 44% de Karzai, segundo a última pesquisa do Instituto Republicano Internacional, Abdullah tem forte apoio entre os tajiques do norte e do centro do país, e também atrai votos no sul, de maioria pashtun – etnia de Karzai.

“O representante especial (Kai Eide) já disse que para levar este país adiante é preciso mais políticos competentes e menos senhores da guerra”, disse à agência Reuters Alim Siddique, porta-voz da missão da ONU em Cabul. Um funcionário do governo americano disse à agência que os Estados Unidos deixaram claras ao governo afegão suas “sérias preocupações” com o futuro papel de Dostum e que a sua reputação “levanta questões sobre sua culpabilidade por violações maciças de direitos humanos”.

Na semana passada, Karzai obteve o apoio de outro “senhor da guerra”, Ismail Khan, líder na importante cidade de Herat, no oeste do país. Os dois candidatos a vice de Karzai também são ex-chefes de milícias acusados de crimes de guerra durante a ocupação soviética (1979-89) e a luta contra os taleban (1995-2001): o marechal tajique Mohammed Qasim Fahim e Karim Khalili, da minoria hazara. Fahim foi ministro da Defesa durante o governo interino de Karzai (entre a queda do Taleban, em dezembro de 2001, e a eleição de outubro de 2004), mas o presidente teve de destituí-lo por pressão da comunidade internacional.

Relatório da organização não-governamental Afghanistan Rights Monitor, divulgado no dia 30 de junho, intitulado “Os Senhores da Guerra Vencedores”, acusa Fahim e Khalili de crimes de guerra e afirma que foram abertas ações para impedir que os dois concorressem aos cargos, mas um “procedimento corrupto” permitiu sua manutenção na chapa de Karzai.

Outros “warlords”, que mesmo depois do desarmamento financiado pelo governo japonês mantêm grupos armados, vastas extensões de terras e relações de clientelismo em suas regiões, também apoiam o presidente. Quatro candidatos “nanicos” a presidente, de um total de 36 ainda no páreo, retiraram ontem seus nomes em apoio a Karzai.

Enquanto Karzai procura consolidar-se no poder com essas alianças, Abdullah busca apoio nas ruas. No último dia de campanha permitido pela lei, o ex-chanceler reuniu ontem cerca de 10 mil pessoas no estádio de futebol de Cabul, famoso por ter sido usado como palco de execuções durante o regime taleban. É um feito para as precárias condições de segurança dessa campanha, que o Taleban tem tentado perturbar com atentados e intimidações. “Vocês querem votar no presidente que solta assassinos e traficantes de ópio da cadeia?” perguntou Abdullah aos simpatizantes, referindo-se a Karzai.

Dois helicópteros despejaram panfletos da campanha de Abdullah sobre o estádio e outras áreas da cidade. “Compatriotas, acordem, é hora de uma grande mudança”, diziam os folhetos, em dari, pashto e usbeque, as três principais línguas faladas no país. De acordo com a agência France Presse, os pilotos dos dois helicópteros e integrantes da campanha foram presos mais tarde, sob acusação de violar o espaço aéreo de Cabul – incessantemente transitado por helicópteros das forças internacionais que atuam no país.

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