Violência pode afastar eleitor no Afeganistão

Baixo comparecimento hoje poderia afetar legitimidade do novo governo

CABUL – O principal obstáculo para o presidente Hamid Karzai no primeiro turno da eleição hoje é a abstenção, se as pesquisas estiverem certas. A onda de atentados do Taleban em Cabul e os atos de intimidação no sul amedrontaram muitos eleitores, apesar do notável entusiasmo durante a campanha. Mesmo que Karzai vença, um baixo comparecimento pode comprometer a legitimidade do próximo governo.

O Taleban tem maior presença no sul, de maioria pashtun (cerca de 40% da população), reduto de Karzai. Seu principal rival, o ex-chanceler Abdullah Abdullah, de pai pashtun e mãe tajique, também tem votos no sul, mas é mais forte no centro e no norte do país, onde se concentram os tajiques (cerca de 35% da população).

Para compensar a força de Abdullah no norte, Karzai reabilitou o general Abdul Rashid Dostum, líder uzbeque (etnia que se concentra na região), exilado no início do ano passado, depois de ter sido acusado pela Procuradoria-Geral de manter um desafeto político em cativeiro. Chefe de gabinete do comandante do Estado-Maior do Exército, Dostum voltou no domingo da Turquia.

As pesquisas de opinião não capturaram o efeito da volta de Dostum, que tende a reunir os votos dos uzbeques (cerca de 10% da população) em favor de Karzai – parte deles desviados para Abdullah por causa do ostracismo de seu principal líder.

Pesquisa divulgada na sexta-feira pelo Instituto Republicano Internacional (IRI), organização não-governamental e apartidária americana, atribui 44% dos votos a Karzai, seguido por Abdullah, com 26%; o ex-ministro do Planejamento e deputado Ramazan Bashardost, da minoria hazara, 10% da população, tem também 10% dos votos, e o ex-ministro das Finanças Ashrafi Ghani, da etnia pashtun, 6%.

Se nenhum candidato obtiver mais de metade dos votos válidos, haverá segundo turno dentro de seis semanas. Em 2004, Karzai, chefe do governo interino desde 2002, apoiado pela comunidade internacional e escolhido por líderes locais, elegeu-se no primeiro turno, com 55,4%.

Realizada entre 16 e 26 de julho, a pesquisa do IRI, a mais completa e atual, também não capta o efeito dos últimos atentados do Taleban – um carro-bomba no sábado, com sete mortos, e outro na terça-feira, com dez – sobre o ânimo dos eleitores de comparecer às urnas. Dos entrevistados, 55% diziam ser “muito provável” que comparecessem e 35%, “razoavelmente provável”.

As projeções de analistas ouvidos pelo Estado variam. “O comparecimento será de mais de 60%, aposta o deputado Mir Ahmad Joyenda, do Movimento para a Democracia e o Progresso, cujo candidato a presidente não tem chances. “Os atentados eram esperados”, argumenta o deputado, reconhecendo ser um otimista.

“Se houver mais ataques (hoje), o comparecimento poderá ser na faixa de 40%”, prevê Haroun Mir, diretor do Centro de Pesquisas e Estudos de Políticas do Afeganistão. “Se ficar nesse patamar, o próximo governo terá um sério problema de legimitidade.” Wadir Safi, professor de ciência política da Universidade de Cabul, teme que a participação seja ainda mais baixa. “As pessoas estão com muito medo”, diz ele. “Se ficar em apenas 10%, terão de anular a eleição.”

À pergunta sobre a possibilidade de a alta abstenção comprometer as eleições, o presidente da Comissão Eleitoral Independente, Daoud Najafi, respondeu: “A lei não prevê um comparecimento mínimo para que as eleições sejam consideradas legítimas.”

Em entrevista coletiva ontem de manhã, Daoud disse que até então 80% do material eleitoral tinha sido entregue nas seções eleitorais. Em três distritos, nas províncias de Farah (oeste), Nuristan (sudeste) e Logar (centro), as “condições de segurança” não permitiram levar o material pelas estradas, e seria transportado por helicóptero. Segundo Najafi, os outros 20% seriam concluídos ontem. Mas em 9 dos 365 distritos eleitorais, dominados pelo Taleban, não haverá votação, que inclui também os conselhos provinciais (prefeitos e governadores são nomeados pelo presidente).

Seis trabalhadores a serviço da Comissão foram mortos por bombas colocadas na estrada pelo taleban enquanto entregavam o material eleitoral – quatro na província de Badakhshan (nordeste) e dois na de Kandahar (sul). “Asseguramos que esses incidentes se Deus quiser não acontecerão de novo”, disse Najafi. “As forças de segurança estão protegendo as seções eleitorais.”  

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*