O saldo da destruição em Dujiang

No século 3.º a.C., os agricultores que viviam ao longo do Rio Min, no centro da China, eram castigados por suas freqüentes enchentes.

DUJIANG YAN, China – O governador Li Bing resolveu o problema, construindo a Barragem de Dujiang, que ficou pronta no ano de 256 a.C. Além de conter as inundações, a barragem, considerada uma proeza de engenharia da Antigüidade, veio acompanhada de um sistema de irrigação que até hoje explica a abundância da agricultura da região, baseada principalmente no milho e no trigo. Os moradores da região construíram um templo e um santuário em memória de Li Bing, que passou a ser venerado por eles. A barragem e o santuário, assim como o mosteiro taoísta da Montanha de Qing Chen, que domina a cidade de Dujiang, tornaram-se atrações turísticas muito visitadas por chineses e estrangeiros.

Protegidos dos desastres naturais e abençoados pela prosperidade, os moradores da província de Sichuan, banhada pelo Rio Min, desenvolveram um modo de ser relaxado e de bem com a vida, pelo qual são famosos em toda a China. Em 15 de maio, o desastre natural chegou a Sichuan, na forma do terremoto que matou 69 mil pessoas e deixou outras 18 mil desaparecidas, segundo os dados oficiais. Mais de 3 mil pessoas morreram e 90% das casas foram destruídas ou danificadas em Dujiang, cidade de 200 mil habitantes.

Simbolicamente, tanto a barragem quanto o santuário foram danificados pelo tremor de 7,8 pontos na escala Richter, assim como a estrada que leva ao mosteiro, tornando-o inacessível, e o Corredor Noturno da Cerveja, um pavilhão no belo estilo arquitetônico chinês que atraía muitos visitantes de Chengdu, capital da província de Sichuan, a 50 km. Os moradores de Dujiang empobreceram repentinamente. A principal atividade econômica da cidade, o turismo, entrou em colapso.

O guia turístico Deng, cujo filho de 12 anos morreu no terremoto, conta que atendia de 5 a 50 turistas por dia. Hoje, não atende nenhum. Quando me viu dentro do táxi, Deng acenou para que o motorista parasse como se estivesse requisitando o carro para uma emergência. O motorista não parou, e ele saiu correndo com surpreendente fôlego, acenando e gritando para a minha janela, oferecendo-se para guiar-nos. Finalmente paramos e lhe perguntamos quanto cobrava para nos levar até a Barragem de Dujiang. Ele pediu 100 iuanes (US$ 14). Seguindo o costume local, ofereci a metade. “Sou uma vítima (do terremoto). Como você pode pechinchar de mim?”, perguntou, enquanto entrava no táxi, aceitando minha oferta. Depois confessou que, antes do terremoto, cobrava exatamente 50 iuanes.

Dujiang não foi abandonada à própria sorte. Cada metrópole rica da costa leste da China adotou uma cidade abalada pelo terremoto, e Dujiang ficou com a mais rica de todas: Xangai. Os desabrigados, que vivem em tendas de lona ou contêineres de metal de 14 m², enquanto esperam o governo reconstruir suas casas ou instalá-los noutra província (cada comunidade decide seu destino), recebem 10 iuanes (US$ 1,40) e meio quilo de arroz por pessoa por dia. Essa ajuda encerra-se em uma semana, quando o terremoto completa três meses. Mas uma coisa os moradores de Sichuan se recusam a perder: o gosto pela vida. Deng ainda não tem casa, mas já decidiu que terá um novo filho.

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