Países torcem contra aliança Brasil-China, diz Lula

À pergunta sobre se estava dando um recado aos EUA, o presidente lembrou que eles elevaram a China à condição de parceiro preferencial

XANGAI – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva mandou ontem na China um recado a países – não-identificados – que, segundo ele, estariam apostando no fracasso de suas iniciativas na arena internacional. “Muita gente no mundo está torcendo para que essa aliança não dê certo”, disse o presidente, referindo-se à parceria estratégica firmada entre Brasil e China nessa viagem. “Mas os que estão torcendo a favor são em número muito maior que os que possam torcer contra.”

A declaração foi feita na parte de improviso de um discurso de 17 minutos – quase todo ele lido – de encerramento do seminário “Brasil-China: uma Parceria de Sucesso”, no fim da manhã de ontem, em Xangai, a capital econômica e financeira da China. Em seguida, durante coletiva, os jornalistas perguntaram se se tratava de um recado para os Estados Unidos. “Tem muita gente disputando os mercados brasileiro e chinês”, explicou o presidente. “Sempre que você conquista um bilhão a mais, tem gente dizendo que queria que esse bilhão fosse seu. Sempre vai ter gente torcendo pelo fracasso.”

Lula lembrou que, em sua viagem a Washington como presidente eleito, em novembro de 2002, perguntaram-lhe como seriam, em seu governo, as relações do Brasil com a China, e ele respondeu: “Os EUA escolheram a China como parceiro preferencial. Partindo do pressuposto de que o que é bom para os EUA é bom para o Brasil…” Segundo o presidente, o comércio do Brasil com os Estados Unidos representa 26% e com a União Européia, outros 26% e, portanto, há pouco potencial de crescimento com esses parceiros. “Tratamos a União Européia e os Estados Unidos com o carinho que sabemos que eles merecem”, garantiu Lula.

Os jornalistas também perguntaram por que, em sua reunião com o presidente Hu Jintao, e no comunicado conjunto que se seguiu, Lula fez questão de apoiar o desempenho da China – um regime de partido único que impede a oposição e a liberdade de imprensa – na área dos direitos humanos. “Não viajo a um país para fazer julgamentos políticos sobre ele”, respondeu o presidente, na presença da imprensa chinesa e de agências internacionais de notícia. “O Brasil na ONU reconheceu que a China colocou a questão dos direitos humanos na Constituição. Esse é um problema superado para nós.”

Sobre a possibilidade de a China ingressar no G-3, formado pelo Brasil, Índia e África do Sul, o presidente foi cauteloso. “Temos muitas pretensões, e muitas vezes não podemos falar previamente, porque pode não se concretizar”, disse ele, enfatizando as coincidências na política externa brasileira e chinesa, por exemplo no que se refere à necessidade de “democratizar” o Conselho de Segurança da ONU, no qual o Brasil reivindica um assento permanente.

“É claro que sonhamos que daqui a um tempo o G-3 esteja G-5, com a entrada da China e da Rússia, mas tudo isso precisa ser trabalhado com muito carinho”, ressalvou o presidente, explicando que, na política externa, “uma palavra mal colocada, um passo fora de hora pode causar problemas”. Ele receberá o presidente da Rússia, Vladimir Putin, no fim do ano em Brasília, e visitará o Japão no início do ano que vem.

Lula expôs didaticamente os passos dados em sua política externa, começando pela promoção da integração comercial e física da América do Sul, depois buscando parcerias nos países africanos e árabes. O próximo passo, segundo ele, é a consolidação da liderança do Brasil e da China no G-20, grupo de grandes países emergentes. A China presidirá o G-20 no ano que vem. Segundo o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, o presidente Hu Jintao propôs a Lula uma cooperação estreita entre os dois países no bloco.

Lula disse, na coletiva, ter aprendido ao longo da vida que, “toda vez que você pede muito para um parceiro fazer uma concessão, ele só vai fazer se perceber que você tem força política”. “Não queremos muito”, pontificou. “Só queremos certa igualdade de tratamento nas relações comerciais.”

No encerramento do seminário, depois da apresentação de um primoroso vídeo promocional de oito minutos sobre as potencialidades econômicas do Brasil, o presidente fez um raro elogio a um membro do governo anterior. Ele agradeceu ao ex-ministro da Agricultura Marcus Vinicius Pratini de Moraes pelo incremento do agronegócio no Brasil.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*