Soja recusada testa relações Brasil-China

Governador do Mato Grosso vê na rejeição uma manobra dos chineses para descumprir contrato

PEQUIM – O incidente envolvendo soja brasileira contaminada rejeitada pelos chineses, justamente durante a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao país, ganhou simbolismo e se converteu num teste das relações comerciais entre os dois países. O governo brasileiro manteve uma posição de humildade, desculpando-se pelo episódio e prometendo providências, mas produtores da envergadura de Blairo Maggi, governador de Mato Grosso e maior produtor individual de soja do mundo, vêem na rejeição da carga uma manobra dos chineses para descumprir o contrato.

O ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, afirmou ontem que houve “má fé” na mistura de grãos de soja e sementes com agrotóxicos embarcada no Porto de Rio Grande (RS) e devolvida pelos chineses. Segundo o ministro, foi uma atitude de “ganância e imediatismo”, e a Polícia Federal está investigando o caso. “Os responsáveis serão punidos exemplarmente de acordo com a lei brasileira”, disse Rodrigues, ele mesmo produtor de soja no Maranhão. Há suspeita de que nesses carregamentos tenham sido desovadas sementes transgênicas, que não podem mais ser utilizadas.

Maggi acredita que os importadores chineses estejam buscando um pretexto para devolver a soja que encomendaram do Brasil, depois que a unidade de 27 quilos caiu de US$ 10 para US$ 8 no mercado, tornando o produto comprado caro demais. “Se não tivesse subido o preço, eles não teriam achado nenhuma bolinha na soja”, ironizou Maggi, um dos seis governadores que acompanham o presidente Lula na China.

De acordo com ele, o produtor tem de jogar fora o que sobra de semente, e a mistura, quando ocorre, é num volume muito pequeno, e aceito pelos compradores. Os chineses alegaram, no entanto, que o contrato prevê pureza total da soja. “Claramente, isso foi usado para alterar o preço”, disse Maggi, lembrando que, há cerca de três anos, os chineses fizeram a mesma coisa, alegando a presença de enxofre na soja. “Isso não pode acontecer. É quebra de confiança, que tira a tranqüilidade do mercado.”

O governador se reuniu com executivos da holding Triunion, que reúne 16 esmagadores de soja na China. Segundo Maggi, que exporta soja para a Europa e o Japão, o normal é que haja um fiscal do exportador e outro do importador no porto, para colher amostra do produto, que fica guardada até 30 dias depois do desembarque do navio. Os compradores chineses alegaram que não tinham fiscais no Porto de Rio Grande porque trabalham “em confiança”. “Isso não existe”, disse o governador e sojicultor. De acordo com Maggi, o real objetivo dos chineses é baixar em US$ 30 a tonelada da soja, contratada a US$ 500.

O porta-voz da chancelaria chinesa, Liu Jianchao, negou que os importadores estivessem criando um pretexto para não honrar os contratos. “Isso não é verdade”, disse ele. “É um problema de qualidade.” Mas ele garantiu que o governo chinês confia na disposição dos brasileiros de resolver o problema e salientou que o Brasil tem vendido produtos de qualidade para a China. “Como os jogadores de futebol, por exemplo”, brincou.

O ministro Roberto Rodrigues se reuniu ontem com o ministro chinês da Quarentena, Li Changjiang, para explicar o incidente e relatar quais as medidas que estão sendo tomadas pelo governo brasileiro. O ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, também participou da reunião. Segundo Rodrigues, o encontro foi satisfatório e as autoridades chinesas entenderam que o governo brasileiro está tomando as medidas necessárias. Entretanto, técnicos do Ministério da Agricultura vão permanecer em Pequim nesta semana para continuar tratando do caso.

De acordo com o ministro da Agricultura, toda a soja contaminada saiu do terminal da Biachini S.A., no Porto de Rio Grande. No último mês, cinco navios foram carregados com soja nesse terminal. Até o momento, foi constatada soja contaminada em dois deles. Desde o início do ano, mais de 60 navios carregando soja partiram de portos brasileiros rumo à China. Seis empresas estão impedidas de vender soja brasileira para a China: Noble Grain, Bianchini S.A., Irmãos Trevisan, Cargill Agrícola, ADM do Brasil e Louis Dreyfus Asia.

Ao lado do minério de ferro, a soja é um dos principais produtos brasileiros de exportação para a China. No ano passado, o Brasil vendeu US$ 1,6 bilhão em produtos do complexo soja para a China. A expectativa para este ano, pelo menos por enquanto, é que as vendas atinjam US$ 2 bilhões.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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