Xinjiang, o território que incomoda Pequim

A poucos dias da abertura, Pequim não parece uma cidade prestes a sediar os Jogos Olímpicos. O controle de entrada de estrangeiros foi tão severo que quase não se vê turistas nas ruas.

ÜRÜMQI, China – Os hotéis estão com baixa ocupação. Coisas impensáveis numa Olimpíada. Normalmente, os países querem realizá-las para atrair turistas. A prioridade da China, que investiu US$ 40 bilhões no evento, é outra: provar para o mundo que pode viver em “harmonia”, o slogan lançado pelo presidente Hu Jintao no ano passado. Nesse conceito, a segurança é um ponto de honra.

Para entender o que se passa em Pequim é preciso atravessar o país, voar quatro horas a noroeste, até Ürümqi, a capital da Região Autônoma Uigur de Xinjiang – vasto território de 1,7 milhão de quilômetros quadrados, sem o qual a China, terceiro maior país do mundo, seria menor que o Brasil, o quinto. Nessa província gigante que faz fronteira com oito países, da Rússia à Caxemira disputada com a Índia, é que se concentram as verdadeiras dores de cabeça do regime chinês.

O Tibete é mais famoso, graças à mística de seus mosteiros budistas, à fama do Dalai Lama e ao esplendor do Himalaia. Mas os tibetanos, em sua placidez lamaísta, não têm ambições separatistas. Os muçulmanos uigures são uma história diferente. Xinjiang abriga grupos militantes capazes não de desestabilizar, obviamente, mas de incomodar Pequim.

Nas ruas de Ürümqi, não é fácil encontrar quem apóie os separatistas. O que há é a expressão de dissabores. Abu Lizi Ali, de 22 anos, dono de uma loja de adagas orientais e frutas secas no Grande Bazar de Ürümqi, queixa-se de que não pôde ainda viajar para o exterior porque teria de gastar 10 mil iuanes (US$ 1.428) para ter um passaporte: 1.000 em taxas e o resto em propina a funcionários. A taxa normal é 200 iuanes (US$ 28,57). “Por ser uigur, pensam que sou um Bin Laden”, diz o comerciante analfabeto, que não sabe o que é separatismo e nunca ouviu falar no Movimento Islâmico do Turquistão do Leste.

O casal Hahetiaji Rehman, de 21 anos, e Ayitila Mijiti, de 20, ambos estudantes de computação na Universidade de Xinjiang, não tem nada de radical. Eles até namoram, o que não é comum em jovens muçulmanos de famílias conservadoras, que partem direto para o casamento. No entanto, têm de freqüentar a mesquita escondidos, porque na universidade os professores lhes disseram que seriam punidos se o fizessem. O mesmo acontece com funcionários públicos e professores.

Ma Juliang, funcionário da mesquita Shan Xi Xiang, da minoria hui, garante que há liberdade de religião na China, e que a adesão de fiéis está até crescendo, agora que os chineses têm asseguradas as necessidades materiais. Mas confirma que o governo desencoraja os estudantes a se dedicar à religião, por achar que eles têm de se focar nos estudos. Ma não nutre a menor simpatia pelos separatistas: “Se eu souber de alguém, informarei às autoridades.” Mas, como parece indicar o atentado de ontem, eles podem perturbar a “harmonia” de Pequim.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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