Governo do BJP não será tão diferente

A opinião é do pesquisador indiano Debasish Chowdhury, que não vê radicalização

A vitória do Partido Bharatiya Janata (BJP), identificado pela imprensa internacional como partido nacionalista hindu, não reflete nem prenuncia um ímpeto hegemônico da maioria hindu, em detrimento dos muçulmanos e das outras minorias religiosas e étnicas. É a opinião do economista e jornalista indiano Debasish Roy Chowdhury, bolsista de Economia Política do Instituto Fernand Braudel, com sede em São Paulo.

Esta é a segunda vez que o BJP elege o maior número de deputados. Em 1996, graças ao apoio do Partido do Congresso, a Frente Unida, coalizão de 13 partidos, que chegou em segundo lugar, formou governo. Mesmo que, desta vez, o BJP consiga reunir aliados suficientes para governar, isso não acarretará mudança radical no rumo do país. “Não creio que eles venham a fazer algo de drasticamente diferente”, disse Chowdhury ao Estado.

O pesquisador argumenta que “qualquer governo na Índia é obrigado a dar satisfações aos muçulmanos”, que representam 11% da população, estão espalhados pelo país inteiro e tradicionalmente votam em bloco, daí derivando sua importância política. Dos eleitores muçulmanos, 9% votaram no BJP em 1996, o que dá uma medida do grau de desilusão perante o tradicional Partido do Congresso, historicamente engajado em aliviar as tensões e prestigiar as minorias.

Originalmente, o BJP foi um partido das classes superiores – tipicamente, dos hindus do norte. Nos últimos anos, no entanto, tem ampliado muito o seu espectro. Fez alianças com grupos regionais, incluindo alguns que representam muçulmanos e outras minorias. Até 1996, o BJP tinha um vice-presidente muçulmano. E tem eleito deputados muçulmanos.

Essa é, obviamente, uma metamorfose recente – e inconclusa. Ainda está fresca na memória dos indianos – e dos muçulmanos do mundo inteiro – a destruição da mesquita de Ayodhya, em 1992, por fanáticos hindus que queriam reconstruir no local um templo ao deus Rama.

Além disso, o BJP ainda se mantém vinculado à organização paramilitar RSS, que aglutina e fornece treinamento para militantes nacionalistas hindus. Por causa da legislação extraordinariamente condescendente do país, a RSS é uma organização legal. Só foi banida duas vezes, e por breves períodos: quando um membro seu matou Mahatma Gandhi, em 1948, e depois do episódio de 1992.

O BJP surgiu como reação das castas superiores contra privilégios concedidos por sucessivos governos do Partido do Congresso para as castas inferiores – que têm reservada para si quase a metade dos empregos públicos – e para os muçulmanos. “Se você cresce numa família progressista, não é imbuído da rivalidade contra outros grupos, até o dia em que participa de um concurso público e vê alguém que tirou nota mais baixa que você ficar com o emprego porque pertence a determinada casta”, explica Chowdhury. “As cotas fazem com que os indianos se confrontem com a existência das castas e com as divisões sociais.”

Assim, o sistema de privilégios, destinado originalmente a promover a integração social, tem produzido efeito colateral oposto: o de estimular a animosidade entre os grupos sociais. A Índia tornou-se refém desse sistema. Não é incomum um grupo de uma casta superior atacar um povoado vizinho habitado por membros da casta inferior, e vice-versa.

As castas superiores dividem-se, de cima para baixo, em: bramanistas, reconhecidos por sua pele mais clara, sinal da descendência direta dos arianos, originalmente responsáveis pela ligação entre os deuses e os homens, o que lhes tem valido cargos no clero; kshatriyas, originalmente a casta dos guerreiros, à qual pertence Chowdhury, embora pessoalmente ele não goste dessas divisões; e os comerciantes.

A partir daí, as castas são inferiores: a dos atrasados e, finalmente, na base da pirâmide, a dos intocáveis, chamados assim porque os sacerdotes, antes de Gandhi, não permitiam que eles entrassem nos templos nem bebessem água do mesmo poço que eles, dado seu alto grau de “impureza”. As castas inferiores são compostas etnicamente pelos descendentes dos aborígines, os habitantes nativos do subcontinente, reconhecidos por sua pele escura, em contraste com os arianos, que chegaram depois.

Ao longo de décadas, o Partido do Congresso aliciou o voto das castas inferiores concedendo-lhes cotas cada vez maiores de empregos públicos e de vagas nas escolas públicas. Em 1989, o então primeiro-ministro V.P. Singh reconheceu a casta dos atrasados, concedendo-lhes a cota de 27,2% dos empregos. A reação estarreceu o mundo: muitos jovens das castas superiores protestaram ateando fogo em si mesmos.

Os muçulmanos também têm sido “apaziguados”, como diz Chowdhury. No Estado da Caxemira, de maioria muçulmana, o arroz custa cinco vezes menos do que no resto do país. O pesquisador nota que essas iniciativas não resultaram necessariamente em melhoria de vida no país. Isso porque os sucessivos governos do Partido do Congresso não se engajaram no aumento maciço do número de vagas nas escolas, por exemplo: apenas reservaram parcelas para as castas inferiores, ansiosos em atrair seu voto. Resultado: 47% dos indianos são analfabetos, em comparação com uma taxa – já alta – de 15% no Brasil, por exemplo.

As cotas só serviram para enfurecer as castas superiores e favorecer a ascensão de um grande partido nacional para suplantar o Partido do Congresso, que, tendo governado 44 dos últimos 50 anos, acabou ficando com a imagem estreitamente associada aos problemas do país. Como esses privilégios assumem a forma de empregos públicos, eles criam grande resistência contra privatizações e atrapalham na reforma do Estado indiano. Por isso os governos indianos têm procurado, em vez de privatizar, incentivar a concorrência contra as estatais.

“A solução está no fortalecimento da iniciativa privada, para que os cidadãos vejam que há alternativas de trabalho fora do Estado”, afirma Chowdhury.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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