Em busca do Elon Musk japonês

Tóquio

 

É perda de tempo tentar encontrar Tóquio nos rankings das regiões e cidades com os melhores ecossistemas para o desenvolvimento de startups. Nas listas, sempre encabeçadas pelo Vale do Silício, costuma haver várias cidades americanas, como Nova York e Boston, metrópoles europeias, como Londres e Berlim, chinesas, Pequim e Xangai, Tel Aviv, em Israel, Bangalore, na Índia, e até São Paulo. Mas nada do Japão. É essa situação que o governo japonês parece disposto a mudar. O primeiro-ministro Shinzo Abe, um fã de empreendedores como Elon Musk, fundador da fabricante de carros elétricos Tesla, não se cansa de dizer que o Japão precisa aprender com o Vale do Silício. Para melhorar o ambiente de negócios, o governo diminuiu nos últimos anos as dificuldades e os custos para a abertura de novas empresas  — e já há alguns sinais encorajadores. O número de empresas fundadas por egressos de universidades praticamente dobrou desde 2008. Na Universidade de Tóquio, o aumento foi de 57% e na de Kyoto, de 31%.

FALTAM PEQUENOS EMPRESÁRIOS: O japão tem um desempenho ruim em todos os indíces que medem o grau de empreendedorismo das economias

Lena Okajima, doutora em astronomia pela Universidade de Tóquio, poderia ter seguido uma carreira acadêmica ou começado a trabalhar numa grande empresa japonesa, como é comum no Japão. Mas ela tinha um sonho. Em 2001, com 22 anos, teve a ideia de comercializar estrelas cadentes. Mais precisamente, provocar no céu um efeito semelhante, com partículas disparadas de um satélite, e exibi-las em shows numa versão futurista de fogos de artifício. Em 2011, depois de acabar sua formação acadêmica e trabalhar no banco americano Goldman Sachs, Lena finalmente abriu a  Sky Canvas, cujo nome expressa a pretensão de pintar o céu como a tela de um quadro. Seu sócio, Kei Oda, também é um ex-funcionário do Goldman. “Antes eu vendia títulos. Agora vendo estrelas”, diz. A empresa já recebeu 6 milhões de dólares de investidores, tem dez funcionários em tempo integral, três em meio período e ainda conta com o apoio de cerca de 25 pesquisadores de quatro universidades. A Universidade de Tohoku desenvolve o satélite, a de Teikyo ajuda a construir sua estrutura interna, a Metropolitana de Tóquio calcula a órbita e a de Nihon ajuda a desenvolver a liga metálica das esferas que entrarão na atmosfera queimando e produzindo o efeito da estrela cadente. Esse apoio das universidades é sinal que os japoneses tentam copiar o modelo que deu certo nos Estados Unidos e depois em Israel, países em que as melhores instituições de ensino superior tiveram um papel fundamental no aparecimento de empreendedores de sucesso. Os testes estão sendo feitos no túnel de vento da Agência Espacial Japonesa — outra contribuição do setor público.

Na linha de frente dos novos empreendedores japoneses nem tudo é alta tecnologia com base em engenharia, a grande tradição do setor produtivo do país. Também há aplicativos. A CureApp, por exemplo, recebeu 3,4 milhões de dólares de fundos de capital de risco e de universidades para desenvolver um app para fumantes que estão tentando largar o vício. Uma enfermeira virtual dá dicas ao longo do dia sobre como evitar acender um cigarro. A empresa deve receber a licença da agência de saúde para comercialização do produto em 2019, mas neste ano já planeja criar uma filial na Califórnia, para acelerar o desenvolvimento do aplicativo. Uma outra startup, a Chihou Sousei Network (CSN), montou uma logística de transporte aéreo para os peixes assim que caem nas redes dos pescadores. Os pescados são processados no Aeroporto de Haneda, em Tóquio, e distribuídos para restaurantes da cidade e de toda a Ásia. Além de garantir o sashimi mais fresco, a empresa busca eliminar os intermediários, aumentando a renda dos pescadores.

O sucesso de empresas como Sky Canvas, CureApp e CSN é crucial para quebrar a resistência cultural dos japoneses a empreender, o que talvez seja a maior barreira ao surgimento de startups no país. “O Japão é uma sociedade muito hierárquica e avessa ao risco”, diz Julian Birkinshaw, professor de Estratégia e Empreendedorismo na London Business School. Mais da metade dos japoneses admite que o medo de falhar os impede de começar um novo negócio — nos Estados Unidos o percentual é de 33% e no Brasil, 36%. O índice de status de empreendedores bem-sucedidos no Japão, medido pelo Global Entrepreneurship Monitor, é um dos mais baixos entre as economias avançadas: 55,8 (na Suécia é 69,9; nos EUA, 74,4; no Reino Unido, 77,2; em Israel, 85,5). Se Lena e Oda, da Sky Canvas, conseguirem promover uma chuva de estrelas cadentes na abertura dos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2020, é provável que mais jovens japoneses comecem a acreditar nos seus sonhos.

Publicado na revista Exama. Copyright: Grupo Abril. Todos os direitos reservados. 

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