Paciência com o fracasso

Tóquio

JULIAN BIRKINSHAW: “A sociedade japonesa é muito hierarquizada” / Divulgação

Um ambiente favorável às startups e à inovação que elas trazem é feito de mão-de-obra bem educada, facilidade para abrir empresas e fracassar sem que isso seja uma pena de morte, acesso ao dinheiro e a investidores que aceitem correr riscos e, por último, empresas de tecnologia que possam contribuir com partes do projeto, formando clusters.

A receita é de Julian Birkinshaw, professor de Estratégia e Empreendedorismo na London Business School. O especialista, que vem a São Paulo em maio para uma conferência da HSM, reconhece que há uma tensão entre o interesse imediato da sociedade em garantir que trabalhadores e fornecedores recebam o que as empresas falidas lhes devem e a necessidade de longo prazo de não desencorajar empreendedores a correr riscos.

Autor de 14 livros, Birkinshaw explica como governos podem ajudar, incentivando a criação de clusters em setores mais promissores, mas não elegendo empresas campeãs nacionais, porque nunca se sabe se elas realmente serão bem-sucedidas. Seguem trechos da entrevista a Exame, feita pelo telefone.

 

Por que startups são importantes? Que papel elas desempenham?

Em qualquer economia — brasileira, britânica, seja lá qual for —, o mundo dos negócios tem sucesso a partir do que chamamos destruição criativa. Na medida em que novas tecnologias e habilidades emergem, precisamos criar novos negócios para substituir os antigos. Alguns são criados por empresas estabelecidas, mas a maioria das ideias realmente criativas é gerada por startups, porque elas estão preparadas para experimentar ideias muitas vezes malucas, muitas das quais não dão certo. Claro que algumas dão, o que permite às vencedoras emergir, às perdedoras, morrer, e à economia, crescer.

 

As grandes empresas muitas vezes investem em startups porque consideram que não são capazes de criar o mesmo tipo de inovação?

Exatamente. Há uma boa sinergia ou simbiose entre grandes negócios e startups. Se você é uma empresa grande, quer continuar a capitalizar suas fontes de força históricas, seus produtos e tecnologias existentes. Se você é uma startup, tenta desafiar e derrotar as grandes empresas. As grandes empresas hoje entendem isso, e dizem: ‘Queremos continuar ganhando dinheiro com nossos negócios, mas também precisamos investir em startups’. Criam unidades de corporate venture (risco corporativo) e também aceleradoras para ajudar as startups a terem êxito, colocando-se numa boa posição para adquirir as startups se elas derem certo.

 

Quais países têm os melhores ambientes para startups?

A resposta óbvia é o Vale do Silício. O melhor lugar para as startups crescerem é a Califórnia. Mas há muito bem-sucedidas em Israel, Suécia, Berlim, Londres, Boston e Nova York. Esses lugares têm quatro coisas que explicam esse êxito. Primeiro, mão-de-obra bem educada, para entender novas tecnologias e princípios de negócios. Segundo, um ambiente de negócios liberal: é fácil abrir empresas e também declarar falência não é um grande problema. Terceiro, acesso a dinheiro, tanto na forma de empréstimo bancário quanto de capital de risco. As pessoas estão preparadas para arriscar e investir em startups. Quarto, empresas que apoiem e colaborem com projetos de risco. Se abro uma empresa de tecnologia, preciso de outras empresas para me emprestar dinheiro e ajudar com tecnologias. Por isso se formam clusters de empresas relacionadas.

 

As empresas que colaboram com elas também têm de ser pequenas?

Algumas são, outras, não. Digamos que você queira criar aplicativos para celulares, o que muitas pessoas estão fazendo hoje em dia. Para isso, precisa de acesso a software e hardware. Até certo ponto pode comprar isso online, mas se quiser fazer ajustes a esse software vai querer a empresa perto de você. Se você está em Londres ou no Vale do Silício, há empresas grandes e pequenas oferecendo esses serviços e você pode trabalhar com elas para desenvolver seu aplicativo. Outro exemplo, no mundo dos fármacos, que é uma indústria muito diferente: se tenho uma ideia brilhante sobre uma nova tecnologia, preciso de uma empresa perto de mim que faça uma pesquisa de mercado para mim, outra para fazer testes clínicos para o desenvolvimento da droga.

 

No Brasil, antes havia uma separação maior entre pessoa jurídica e física, de maneira que a empresa quebrava mas seu dono continuava ricos e abria outra. As leis se tornaram mais duras para responsabilizar os empresários pelas dívidas deixadas. Entretanto, pelo que o senhor está dizendo, isso pode inibir o risco e a inovação. Como encontrar um equilíbrio entre esses dois interesses?

É uma grande questão. O que é bom para encorajar o empreendedorismo às vezes não é bom para a sociedade no curto prazo. Num lugar onde não há muitas startups há o risco de que algumas de grande projeção fracassem e sujem a imagem do empreendedorismo, e os governos comecem a puni-las. Não sei exatamente qual é o ponto de equilíbrio, mas é muito claro para mim  que, se você pune empreendedores, torna difícil para eles declarar falência e seguir adiante, eles irão para outro lugar onde possam fazer isso. O mercado das startups é global. Conheço pessoas em Londres que tiveram sucesso até um certo ponto e depois foram para a Califórnia porque precisavam daquele ambiente. Você está sempre medindo o benefício de curto prazo de proteger empregados e fornecedores e o benefício de longo prazo do dinamismo de permitir que as pessoas fracassem e sigam adiante rapidamente. Na Alemanha, França e Suíça, por exemplo, se você declarava falência, os bancos nunca mais lhe emprestavam dinheiro. Isso é terrível porque impede as pessoas de aprender com seus erros. Concordo com você que é um equilíbrio tênue. Se você realmente quer incentivar o empreendedorismo, haverá esses casos problemáticos de empresas que fecham e seus empregados ficam sem receber os salários. Obviamente é preciso separar atividade criminosa de falência genuína. Alemanha, França e Suíça tiveram historicamente regras muito estritas sobre falências e demissões. Como consequência, inibiram fortemente a inovação e o empreendedorismo. É uma das razões pelas quais na Grã-Bretanha, na Suécia e na Finlândia há setores tecnológicos muito mais dinâmicos do que naqueles três países continentais. A Suíça, por exemplo, tem empresas muito grandes, mas não é um bom lugar para os negócios.

 

E os três tem bons sistemas de educação.

Exatamente. Eles têm muitas peças do quebra-cabeças, mas principalmente a Suíça é prejudicada por regras trabalhistas e empresariais muito rígidas.

 

Quais as startups mais bem-sucedidas?

As do Vale do Silício são as mais populares. Se você olha para as top 10 empresas de tecnologia no mundo hoje, acho que 9 foram criadas no Vale do Silício: Apple, Google, Facebook, Oracle, Intel, Sun Microsystems e assim por diante. A Amazon é de Seattle. Nos últimos 50 anos quase todas as grandes empresas de tecnologia surgiram no Vale do Silício. Aqui em Londres, a lista é bem menor. Duas vieram da Universidade de Cambridge: Autonomy e ARM Semicondutores. Há empresas de tecnologia financeira (FinTechs) muito bem-sucedidas, como TransferWise e Nutmeg. São muito menores que as do Vale do Silício. Há surpresas por exemplo na Suécia: a Spotify e a Skype foram fundadas em Estocolmo. Outra sueca é a Minecraft, que foi comprada pela Microsoft. Você pode se perguntar o que a Suécia tem que permite que essas empresas surjam. É uma questão de investir em tecnologia, ter mão-de-obra bem educada, dinamismo e liberdade.

 

E Israel?

Israel é um exemplo fantástico de startups bem-sucedidas, a maioria já comprada por empresas do Vale do Silício. Israel tem uma população extremamente bem educada e um enorme investimento em tecnologia. Como país, Israel se sente sob cerco. Como os suecos, os israelenses são unidos, trabalham juntos, colaboram muito, porque precisam, para sobreviver. Vários setores da economia israelense criaram empresas muito progressistas. Livros inteiros foram escritos sobre por que Israel tem sido bem-sucedido. É uma economia pequena preocupada com seu futuro que faz as pessoas inovar.

 

Como o senhor vê o caso do Japão?

O Japão é um caso interessante. Um país muito bem-sucedido e rico, com crescimento fenomenal nos anos 70 e 80, mas um desempenho recente muito pobre em empreendedorismo, startups e inovação do modelo de negócios. O Japão tem tentado melhorar seu sucesso com as startups, e criou uma variedade de programas para facilitar a abertura de empresas e o acesso a capital de risco. Mas eles enfrentam barreiras culturais e sociais. Como sociedade, o Japão é muito hierárquico, e enfatiza resultados coletivos em detrimento de sucesso individual. A educação é focada em se ajustar, construir expertise em áreas técnicas específicas, e não na criatividade e na inovação. É uma cultura avessa ao risco, em que as pessoas  ainda preferem empregos para a vida toda que dão segurança. Por fim, é uma sociedade muito homogênea, com muito menos imigrantes do que a Califórnia ou Londres, por exemplo — o que é importante, porque a imigração cria diversidade, e os imigrantes em geral são os que abrem novas empresas.

 

De um lado, as startups podem lançar produtos de alcance global e, de outro, têm conhecimento do mercado local que as concorrentes estrangeiras não têm, como acontece na China, não é?

Exato. A Alibaba, a Tencent e outras empresas inovativas chinesas tiveram sucesso porque o governo as ajudou protegendo o mercado. Elas foram capazes de capitalizar rapidamente essa oportunidade local. Agora, se você é de Israel ou da Suécia, não tem opção a não ser se mover rapidamente para o mercado global. Já nascem empresas globais. No Brasil, há um desafio, porque é um país muito grande, e potencialmente se pode ter muito sucesso aí. É bom ter um mercado cativo. Mas o governo brasileiro é menos protecionista do que o chinês. E o risco é de nunca ir para o exterior, não se preparar para o crescimento internacional e ser exposto à concorrência com estrangeiros quando vierem disputar o mercado brasileiro.

 

O que os governos podem fazer para ajudar?

Criar uma mão-de-obra educada, estabilidade macroeconômica, flexibilidade, liberdade para as empresas serem abertas e falirem. Essas são as precondições básicas. Em seguida, identificar quais setores da economia podem crescer. E às vezes colocar um dinheiro extra neles. Se decidir competir no setor de tecnologia ou de FinTech, às vezes precisa criar fundos-semente e de risco que possam investir nessas áreas. Outras vezes, precisa criar banda larga rápida em uma parte do país para que as empresas possam competir. Se quiser competir em biotecnologia, precisa colocar recursos adicionais nas universidades nessas áreas. Às vezes alguns países querem investir numa empresa para ser campeão nacional. A França é famosa por fazer isso. Essa é uma estratégia muito perigosa, porque você não sabe quais empresas vão ter sucesso. Há uns 50 anos a Grã-Bretanha tentou criar uma campeã nacional na indústria automobilística, chamada British Leyland, e foi um desastre. Era uma empresa horrível e acabou falida.  É melhor investir em um cluster ou em um setor em particular, e garantir que todo o apoio, recursos, tecnologias e ciência estejam disponíveis para aquela área. E atrair investimento externo para ela.

 

Uma versão editada desta entrevista foi publicada na revista Exame: https://exame2.com.br/exame-hoje/#project/07722a68-2aec-432c-bc76-f503eaf951d1/view/br.com.abril.revexamenoipad1135-rGpeyhfdP/article/468474-br.com.abril.revexamenoipad1135-24lU6IdeP

Publicado na revista Exame. Copyright: Grupo Abril. Todos os direitos reservados.

 

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