‘É preciso ir ao Paquistão para combater o terror’

Para analista político afegão, circunstâncias da morte de Bin Laden fortalecem posição de Karzai e não prejudica aproximação com Paquistão

BEIRUTE – O fato de Osama bin Laden ter sido encontrado bem dentro do Paquistão reforça a posição externa do Afeganistão, que há muito vinha dizendo que a luta contra o terrorismo devia cruzar a fronteira. Mas não prejudica a aproximação entre os dois países, porque o presidente Hamid Karzai precisa do Paquistão para alcançar o objetivo que está no topo de sua agenda: negociar a paz com o Taleban.

A análise é do cientista político Niamatullah Ibrahim, pesquisador do Afghanistan Watch, de Cabul.

Em entrevista ao Estado, pelo telefone, Ibrahim diz que há uma crescente impaciência no Afeganistão com a falta de resultados da luta contra a insurgência – que só ganha força no país -, e também de melhoras na economia e na infra-estrutura. Mas essa insatisfação não se traduz em apoio ao Taleban, com exceção do sul, que sempre foi seu reduto, diz Ibrahim.

Quais as consequências, para o Afeganistão, da morte de Osama bin Laden?

Do ponto de vista da contra-insurgência, não vejo conseqüências imediatas. A Al-Qaeda não tem mais uma presença significativa no Afeganistão. Tem entre 100 e 200 indivíduos operativos. O impacto imediato é sobre a liderança política do Taleban. Eles dependem do apoio militar e financeiro da Al-Qaeda.

O fato de Bin Laden ter sido encontrado bem dentro do Paquistão reforça politicamente o presidente Hamid Karzai?

Sim, confirma o que há muito não só o governo, mas analistas também vinham dizendo, que o Afeganistão não abriga o terrorismo, e que era preciso cruzar a fronteira para combatê-lo. Há uma visão muito disseminada aqui de que o Paquistão é o santuário da Al-Qaeda e o principal problema do Afeganistão.

Internamente, Karzai não enfrenta oposição política significativa?

Há um crescente descontentamento com o governo, por causa de sua incapacidade de conter o rápido aumento da insurgência. São diversos grupos, que não têm coesão e não formam um bloco de oposição no Parlamento. O principal tema de debate é a atual política de paz e reconciliação do governo com o Taleban. Tem havido manifestações em Cabul lideradas por oposicionistas contrários a essas negociações.

Mas há também um apoio popular ao Taleban por sua resistência contra a ocupação americana e a presença das forças da Otan?

Há uma crescente insatisfação pela presença americana, mas isso não significa necessariamente apoio ao Taleban. Claro que depende da região. No Cinturão Pashtun, no sul, há um maior apoio ao Taleban. Fora do sul, em Cabul e no norte, há uma crescente impaciência com a falta de resultados na contra-insurgência tal como é conduzida pelos americanos, e uma insatisfação com a falta de melhora na economia e na infra-estrutura. Nesses lugares, você vê mulás radicais pregando contra o governo, mas não vê nenhuma simpatia popular pelo Taleban.

Qual a taxa de desemprego?

Não temos uma cifra, mas pode-se observar que é extremamente elevada. Depende da definição de emprego. Mas não tem sido feita muita coisa para criar oportunidades de emprego. O Afeganistão é um país rural e a agricultura não atrai muita atenção. Daí a emigração em massa para o Irã e o Paquistão.

O cultivo da papoula, a matéria-prima do ópio e da heroína, tem sido a principal fonte de receita na agricultura?

Sim, mas não está associada ao desemprego. O cultivo e o comércio da papoula envolvem fazendeiros, traficantes e o governo, ou seja, pessoas ricas.

A fragilização da situação do Paquistão pelo fato de Bin Laden ter sido encontrado lá aumenta a projeção da Índia na região e pode levar ao estreitamento das relações do Afeganistão com ela?

Não acho que haverá mudanças. Antes do assassinato, nos últimos meses, não tem havido relações estreitas entre o Afeganistão e a Índia. Karzai está mais inclinado a se aproximar do Paquistão, porque as negociações com o Taleban estão no topo da sua agenda política. Ele precisa de boas relações com o Paquistão, que impõem condições para intermediar as conversações. Vejo a Índia cada vez mais preocupada com essa aproximação de Karzai com o Paquistão. Com a ajuda que os americanos têm dado aos paquistaneses, e mais o seu poder de intermediar as negociações com o Taleban, o Paquistão tem tido predomínio sobre os assuntos afegãos.

Mas o fato de Bin Laden ter sido encontrado no Paquistão não prejudica a ajuda americana aos paquistaneses?

Os americanos já estavam preocupados com as relações entre os paquistaneses e a Al-Qaeda. Há uma tensão subjacente. O fato de a CIA não ter avisado o ISI (serviço secreto paquistanês) sobre a operação de captura de Bin Laden prova que os americanos não confiam nos paquistaneses.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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