Paquistão critica ‘ingerência’ no vizinho

Chanceler adverte que tentativas de impor governos ao Afeganistão sempre fracassaram

ISLAMABAD – Em meio às declarações de admiração recíproca e gratidão e à celebração dos interesses comuns, o ministro das Relações Exteriores do Paquistão, Abdul Sattar, fez ontem uma contundente advertência durante o briefing conjunto com uma delegação da União Européia, na sede da Chancelaria: “É importante entender que o povo do Afeganistão sempre soube proteger tenazmente sua independência e nunca aceitou intervenções externas.” “Os estrangeiros que tentaram impor aos afegãos governantes de sua escolha pagaram um preço muito alto”, continuou o chanceler paquistanês, numa referência à resistência vitoriosa do Afeganistão aos domínios britânico e soviético.

Indagado sobre se estava fazendo uma advertência aos americanos – que têm estimulado discussões sobre quem poderia assumir o governo depois da derrubada do regime do Taliban – Sattar disse que não estava advertindo ninguém, mas apenas respondendo a uma pergunta, “com base nas lições da História e no que sabemos sobre nossos irmãos afegãos”.

A pergunta à qual o chanceler estava respondendo era justamente como seu país se sentia apoiando a coalizão antiterror, depois de ter sido responsabilizado pela criação do Taleban, o regime dos estudantes formados nas madrassas (escolas religiosas) do noroeste do Paquistão.

Mais adiante, Sattar voltou à carga: “Estamos preocupados por lermos notícias de que a Aliança do Norte (que combate o Taleban) tem pedido ajuda de potências. A assistência externa a qualquer um dos lados é a receita para o grande sofrimento do povo afegão.” Com o rompimento, ontem, pela Arábia Saudita, das relações diplomáticas com o Taliban, o Paquistão tornou-se ontem o único país do mundo a manter essas relações com o regime, que já haviam sido cortadas também pelos Emirados Árabes Unidos. À pergunta sobre se não faria o mesmo, o presidente Pervez Musharraf defendeu a conveniência de manter este “último canal” de comunicação do Taleban com o mundo exterior – a embaixada afegã em Islamabad.

As declarações de ontem do chanceler, diante dos representantes da política externa européia, traçaram um limite claro até onde o Paquistão pode ou quer ir nesse esforço internacional contra o terrorismo. E ecoaram o sentimento da fatia população – sobretudo das classes média e alta – que compreende a decisão do general Musharraf, mas cultiva uma arraigada solidariedade pelo povo afegão – e uma indisfarçável admiração por sua histórica bravura. A dimensão do apoio ao presidente poderá ser medido amanhã. Musharraf declarou esta quinta-feira Dia da Solidariedade em favor das vítimas americanas – e à posição que ele assumiu.

Nas camadas sociais inferiores e entre os fundamentalistas paquistaneses, a simpatia pelos afegãos é incondicional, levando à desaprovação da conduta assumida pelo presidente. À falta de pesquisas públicas confiáveis sobre a proporção da população que essa fatia representa, o Departamento de Registros de Islamabad forneceu ontem um dado com forte apelo estatístico: a cada duas pessoas que nascem, uma é batizada de Osama – um nome árabe antes incomum no Paquistão. Em uma semana, 70 novos Osamas são registrados.

O que é difícil medir é se a imagem de herói de Osama bin Laden se deve à convicção de sua inocência ou de que ele de fato está por trás da proeza contra os odiados EUA. A imprensa paquistanesa – como de resto de todo o mundo muçulmano – fomenta diariamente a certeza de uma conspiração judaica.

A edição vespertina do Naya Akhbar (Novo Jornal, em urdu) noticiou ontem que um “terrorista judeu” foi preso pelo FBI em Nova York com uma bolsa contendo armas químicas. Ele teria sido flagrado transmitindo informações, numa freqüência secreta de rádio, sobre onde estavam o ex-presidente Bill Clinton e sua mulher, a senadora Hillary Clinton, durante a cerimônia de domingo em memória das vítimas do ataque.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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