Paquistão teme Cabul sob influência da Índia

Para o general da reserva paquistanês Talad Massud, o apoio de seu país ao Taleban foi um erro histórico

ISLAMABAD – Depois de adotar a decisão de apoiar os Estados Unidos contra um regime até então aliado do Paquistão – o Taleban -, os paquistaneses olham com crescente preocupação para o cenário futuro no Afeganistão. A perspectiva de os americanos aceitarem a oferta da Aliança do Norte e lhe oferecerem apoio, considerando-a como uma alternativa futura ao regime taleban, parece aos paquistaneses um pesadelo. A Aliança do Norte é considerada um aliado da Índia, o principal inimigo do Paquistão.

A frente formada para combater o Taleban é composta de grupos étnicos minoritários no Afeganistão: os usbeques, comandados pelo general Rashid Dostum, ministro da Defesa durante o governo comunista de Najibullah (1989-92); os tajiques, encabeçados pelo general Mohammad Fahim Khan, que assumiu o comando depois do assassinato, no início do mês, do líder Ahmad Shah Massud, por sua vez ministro da Defesa do presidente Burhanuddin Rabani, derrubado em 1996 pelo Taleban; e os hazaras e os turcos, que apoiam um ou outro grupo.

Dostum e Massud comandavam facções inimigas até 1996. Depois que os talebans (estudantes) tomaram Cabul, juntaram-se para enfrentar o inimigo comum. “A única coisa que Dostum e Massud compartilhavam era o apoio da Índia”, diz Ishtiaq Ahmad, especialista paquistanês em assuntos estratégicos. Na verdade, diz o analista, desde que o rei Zahir Shah foi destronado, em 1973, por seu sobrinho, Sardar Daoud, o Afeganistão tem tido regimes hostis ao Paquistão.

Daoud se aliou à Índia logo depois de tomar o poder. A Revolução Saur, que o derrubou, em 1978, levou ao poder governantes comunistas, que também se alinhavam com a Índia e a União Soviética, enquanto o Paquistão se mantinha do lado capitalista, no tabuleiro da guerra fria.

A situação se manteve durante a ocupação soviética do Afeganistão, entre 1979 e 1989. Depois de derrubar o comunista Najibullah, em 1992, Rabbani preferiu a filiação à influência indiana.

Assim, o surgimento do movimento fundamentalista islâmico dos talebans, no início da década de 90, pareceu ao governo paquistanês uma oportunidade de finalmente ter um regime aliado em sua fronteira oeste – um requisito estratégico para o Paquistão, que já tem, do lado leste, a arquiinimiga Índia. Os talebans saíram das madrassas (escolas religiosas) do noroeste do Paquistão. A origem, a afinidade – e provavelmente o apoio ostensivo – garantiriam aos paquistaneses a tão desejada lealdade afegã.

A proteção dada pelo Taleban ao terrorismo, no entanto, tornou alto demais o custo dessa aliança, para o Paquistão. “Foi um erro histórico”, lamenta o general da reserva Talad Massud, desde o início um crítico da amizade entre o governo paquistanês e o Taleban. “O Paquistão definitivamente prefere um governo amigável no Afeganistão. Como paquistanês pragmático, no entanto, estou interessado num governo afegão estável e de base ampla. Ter um amigo como o Taleban é pior do que não ter um amigo no Afeganistão.”

Entretanto, a constituição de um governo da Aliança do Norte com apoio americano também seria um grande erro, diz Massud, secretário de Produção do Ministério da Defesa nos anos 90, período em que visitou a indústria bélica brasileira, em São José dos Campos. “Os pashtuns (maioria no Afeganistão) nunca aceitariam um governo da aliança. A guerra civil e o governo instável continuariam.” “Se o propósito é derrubar o Taleban, parece terrivelmente atraente para os EUA usarem a Aliança do Norte, mas seria desastroso”, concorda o professor Riffat Hussain, do Instituto de Estudos Estratégicos e de Defesa da Universidade Quaid-e-Azam. “Desde 1947 nunca houve um governo não-pashtun estável em Cabul.”

De acordo com Hussain, qualquer solução militar para a crise resultará numa tragédia humana. “Os talebans lutarão até o último homem. Haverá muitos pashtuns refugiados, que se tornarão furiosos, e se acabará criando uma situação estilo Ruanda, com confrontos entre grupos étnicos e clãs rivais.”

Tanto o professor quanto o general, contudo, consideram possível constituir um regime de unidade nacional no Afeganistão, composto por pashtuns e pelas minorias. Para isso, seria necessário explorar a divisão entre moderados e linha-duras no interior do Taleban. A linha dura, chefiada pelo líder supremo do regime, mulá Mohammad Omar, do clã Gueizei, está sob forte influência do terrorismo árabe. “Qualquer árabe que queira derrubar seu governo se instala no Afeganistão”, diz Massud.

Aí se inclui o saudita Bin Laden. Os moderados, liderados pelo ministro das Relações Exteriores, Mutu Wak, do clã Durani, se ressentem dessa influência.

“O Taleban não é uma força política, mas um movimento”, analisa Massud. “A motivação de seus combatentes é baixa e eles não serão capazes de enfrentar a pressão.” Para que a divisão dos talebans se concretize, analisa o general, é importante que não haja uma guerra de ocupação no Afeganistão.

Uma invasão estrangeira em grande escala uniria os afegãos contra o inimigo comum e tornaria inviável a coptação de parte dos atuais governantes contra a linha dura vinculada diretamente ao terrorismo.

Massud acha que os arranjos para o regime de transição pós-derrubada dos talebans devem ser feitos já, de preferência no âmbito da ONU. Alguém como o rei Zahir Shah ou algum líder tribal idoso poderia assumir interinamente, enquanto seriam organizadas eleições. Se tudo correr bem, é claro.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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