UE abre ‘nova era’ de relações com Paquistão

Em Islamabad, delegação européia de alto nível promete mais cooperação econômica

ISLAMABAD – A União Européia – e, com ela, o Ocidente – consumou ontem o esperado giro de 180 graus em suas relações com o Paquistão, o país muçulmano convertido em virtual pária internacional por causa de seu desapreço pela democracia e tolerância, senão conivência, com o extremismo islâmico.

Numa aula de realpolitik, uma delegação de alto nível da UE anunciou uma nova era de cooperação econômica e comercial com seu novo aliado, que tem um papel crucial a desempenhar no desmantelamento do regime do Taleban no Afeganistão.

A delegação, encabeçada por Louis Michel, chanceler da Bélgica, que ocupa a presidência de turno da UE, anunciou o levantamento das sanções comerciais impostas ao Paquistão depois do golpe militar de outubro de 1999, que levou ao poder o atual presidente, general Pervez Musharraf.

Na segunda-feira, o governo americano já havia anunciado a suspensão das sanções relacionadas às atividades nucleares, que haviam sido impostas ao Paquistão e à Índia depois que os dois países realizaram testes nucleares quase simultaneamente, em 1998. Os EUA tinham indicado que relaxariam as sanções comerciais vinculadas à falta de democracia no Paquistão.

O britânico Chris Patten, comissário de Relações Exteriores da UE, ressalvou que esses e outros benefícios pressupõem, no entanto, como “base contratual, que o presidente paquistanês siga o caminho da democracia, para que as relações possam avançar nos próximos meses”.

Musharraf tem acenado com a possibilidade de realização de eleições gerais em outubro do próximo ano. Patten disse aos jornalistas, em entrevista coletiva depois de um dia de conversações com Musharraf, com o chanceler paquistanês, Abdul Sattar, e com o ministro das Finanças, Shaukat Aziz, que os europeus não haviam dito ao presidente, mas gostariam de participar do monitoramento das eleições.

Voltando à parte boa, do ponto de vista do governo paquistanês, o comissário informou que a delegação vai recomendar ao Conselho Europeu de Assuntos Gerais a redução das tarifas alfandegárias sobre os produtos têxteis do Paquistão, um de seus melhores itens de exportação. A UE promete impulsionar programas de assistência ao desenvolvimento. Além disso, a pedido dos EUA, o Fundo Monetário Internacional receberá no dia 9 de novembro uma delegação do Ministério das Finanças do Paquistão para iniciar negociações para a concessão de US$ 2,5 bilhões, sob a rubrica Redução da Pobreza e Crescimento.

Os europeus anunciaram, ainda, ajuda humanitária imediata de 20 milhões de euros (US$ 18,4 milhões) para o Paquistão assimilar o novo fluxo de refugiados afegãos. Patten disse esperar que “os países enfiem a mão mais fundo em seus bolsos para evitar um desastre humanitário que desestabilizaria o Paquistão”. A fronteira do Paquistão com o Afeganistão está fechada no momento, mas o governo paquistanês estuda abrigar novos refugiados afegãos – além dos 2 milhões já no país. De 70 campos que poderão ser criados, 12 serão visitados hoje por funcionários do Alto Comissariado das ONU para Refugiados.

O chefe da delegação européia, Louis Michel, enfatizou que a luta contra o terrorismo islâmico envolverá “o apoio aos países árabes e muçulmanos” e a “integração de todos os países no sistema de bem-estar social”. O chanceler e vice-primeiro-ministro belga disse que os europeus compreendem a “situação delicada” enfrentada pelo presidente do Paquistão, cuja população simpatiza maciçamente com os afegãos e se ressente da política americana para a região. “É por isso que apreciamos sua posição corajosa e estamos aqui para ajudar”, disse Michel, que pouco depois teve de responder a um jornalista paquistanês que as conversas não incluíram o problema da Caxemira, território de maioria muçulmana que o Paquistão disputa com a Índia.

A delegação, de 16 membros, inclui o secretário-geral do Conselho de Segurança da UE, o espanhol Javier Solana, que veio discutir medidas para desbaratar a rede de financiamento dos terroristas. Solana era secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), quando a aliança se engajou na operação de paz em Kosovo. A delegação, que chegou ontem às 9 horas a Islamabad, partiu ontem mesmo, às 16 horas, para Teerã e, de lá, para Riad.

Assim como em Islamabad, o tema do financiamento de grupos como o do saudita Osama bin Laden é crítico nessas duas capitais. Sua organização, Al-Qaeda (a base), tem sido sustentada substancialmente pelas contribuições originárias do Paquistão, Irã e Arábia Saudita. Mas o momento é de lançar novas bases e esquecer o passado. O comissário de Relações Exteriores da UE foi quem melhor resumiu a atmosfera do brusco reatamento. “Nos momentos de mais terrível adversidade, é possível ser criativo”, filosofou Patten. “Vamos abrir portas que talvez tenham ficado fechadas por um período longo demais.”

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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