Queda arrastou esquerda para o centro

Fim do comunismo repercutiu na política alemã como um todo e trouxe o nazismo de volta à Alemanha Oriental

BERLIM – A queda do Muro de Berlim e a reunificação não só puseram fim ao regime de partido único que vigorava desde o pós-guerra na República Democrática Alemã (RDA), mas também repercutiram sobre a política na Alemanha como um todo. A vitória sobre o comunismo reforçou as ideias liberais, empurrando o Partido Social-Democrata (SPD) da centro-esquerda para o centro. E, na Alemanha Oriental, reavivou um fenômeno que parecia sepultado no país: o nazismo.

“Houve uma virada liberal na cultura política alemã”, observa o brasileiro Sérgio Costa, professor do Instituto de Sociologia da Universidade Livre de Berlim. “O SPD deslocou-se para o centro, perdendo a influência dos sindicatos.” A menor interferência do Estado na economia, diz Costa, foi decorrência também de sua incapacidade orçamentária de manter o nível de assistência social de uma população envelhecida. O ex-chanceler Gerhard Schroeder (1998-2005), com sua Agenda 2010, que reduziu os benefícios sociais, representou a guinada do SPD para a direita.

Embora não tenha a mesma dimensão histórica que a queda do Muro, a crise financeira internacional teve o efeito contrário, acredita Costa. Mesmo na União Democrata-Cristã (CDU), o partido conservador da chanceler Angela Merkel, ouvem-se críticas à falta de regulação do mercado. Merkel, política moderada originária do Leste, incorpora essa nova tendência. “O espaço disputado é do centro”, sintetiza Costa.

 

BLOQUEIO EMOCIONAL

Desde o fim da RDA, uma nova geração do Partido da Unidade Socialista (SED), que a governava, tem buscado espaço na política alemã. Já foi rebatizado duas vezes, como Partido do Socialismo Democrático e, desde 2006, simplesmente “A Esquerda” (Die Linke). Na última eleição de setembro, teve 11% dos votos. Já não defende a volta da RDA, mas apenas o socialismo, e mesmo assim sofre com a identificação com o antigo regime.

Caroline Eckhoff, uma artista gráfica de 31 anos, concorda com muitas das ideias da Esquerda, mas não consegue votar nela. Quando era pequena, ela visitava parentes e amigos em Berlim Oriental com seus pais. Lembra do medo que tinha de não ver mais sua mãe, francesa, que tinha de atravessar o Muro por outra passagem, para estrangeiros. Depois do fim da RDA, viu nos arquivos da Stasi, a polícia secreta, fotos dela e de seus irmãos brincando no quintal da família que eles visitavam no lado oriental. “Algum vizinho nos espionava”, horroriza-se ela. “É uma questão emocional. Não consigo votar neles.”

Do outro lado do espectro, os neonazistas do Partido Democrático Nacional obtiveram apenas 1,8% dos votos – não elegendo nenhum deputado. Mas mantêm-se como fenômeno persistente desde a queda do Muro. Neonazistas realizaram cerca de 10 mil ataques desde 1990, matando 140 pessoas – seus alvos são imigrantes e esquerdistas.

De acordo com o cientista político Hajo Funke, especialista em neonazistas, eles pertencem à segunda geração de alemães orientais. São filhos de ex-funcionários do antigo regime, que ainda gozavam de prestígio social, apesar da perda de poder aquisitivo. Sem esse status, e muitas vezes desempregados, eles encontraram uma forma de exprimir sua frustração no ódio aos estrangeiros – embora haja poucos imigrantes no Leste da Alemanha, onde os neonazistas se concentram. A taxa de desemprego na Alemanha Oriental é hoje de 11,8%, enquanto em todo o país é de 7,7%. “É uma projeção”, diz Funke. “Eles têm a percepção de que são ameaçados pelos estrangeiros.”

Ao contrário da Alemanha Ocidental, a RDA não fez uma autocrítica de seu passado nazista. Por ser comunista, o regime considerou-se imune a esse impulso. Mas seu ambiente autoritário, diz Funke, combinado com a desilusão, propiciou o florescimento do neonazismo.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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