Apesar de ameaça de retaliação, Espanha deporta 20 brasileiros

Brasil acena com adotar o princípio da reciprocidade; chancelaria espanhola diz que está “muito preocupada com o tema”

MADRI – O governo agiu ontem em três frentes para tentar conter a crescente deportação de brasileiros da Espanha, depois que cerca de 30 cidadãos do País ficaram retidos no Aeroporto de Madri-Barajas, na quarta-feira. O chanceler Celso Amorim emitiu uma dura nota oficial, o secretário-geral de Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães, convocou o embaixador espanhol em Brasília e o embaixador do Brasil em Madri, José Viegas Filho, apresentou uma queixa na Chancelaria da Espanha.

Depois de tudo isso, 20 brasileiros foram deportados, incluindo dois pesquisadores do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), que só queriam fazer uma conexão para Lisboa, para participar de um congresso da Associação Portuguesa de Ciência Política. Pedro Lima e Patrícia Rangel devem chegar hoje ao Rio. Na nota, Amorim, que estava na República Dominicana, adverte que o Brasil estuda recorrer à “reciprocidade”, o que, em linguagem diplomática, significa que poderá retaliar recusando a entrada de espanhóis no Brasil.

O embaixador Viegas ouviu de um funcionário do gabinete do chanceler Miguel Ángel Moratinos que o Ministério de Relações Exteriores espanhol “está muito preocupado com o tema, e fazendo gestões internas para reduzir e impedir a repetição desses problemas”. O controle de entrada fica a cargo da Delegacia de Imigração, subordinada ao Ministério do Interior.

Os funcionários seguem critérios objetivos para a recusa da entrada de passageiros, como a exigência de que tenham pelo menos 57 euros para gastar por dia de estadia prevista ou a carta de um banco comprovando limite suficiente de cartão de crédito; passagem de ida e volta, comprovante de reserva de hotel ou, se vão ficar na casa de alguém, uma carta dos anfitriões seguindo um modelo definido pela Delegacia de Imigração. E há também critérios mais subjetivos. Por exemplo, se a bagagem é muito volumosa, e contém roupas de verão quando se está no inverno, já é motivo de desconfiança.

A maioria dos “inadmitidos” está na faixa etária entre 20 e 35 anos. Eles aguardam julgamento de seu caso por um juiz, assistidos por um advogado público. Se sua deportação é confirmada, têm de esperar que a mesma companhia na qual vieram tenha assento disponível no vôo de volta. Isso pode demorar dias. Eles ficam numa área isolada do aeroporto, com sala e quartos com beliches. Há brinquedos para as crianças, já que famílias inteiras também ficam retidas. Recebem água e sanduíches. Na sala, o consulado-geral do Brasil colocou um cartaz com um número de telefone, que eles podem chamar, comprando um cartão e usando um telefone público – já que seus celulares são apreendidos. Alguns ligam para o consulado, outros preferem falar apenas com suas famílias no Brasil.

O problema da deportação crescente de brasileiros se tornou público no dia 9 de fevereiro, quando a estudante Patrícia Camargo Magalhães, de 23 anos, que faz mestrado no Instituto de Física da Universidade de São Paulo, teve a entrada recusada em Madri. Como os dois pesquisadores do Iuperj, ela faria apenas uma conexão para Lisboa, onde apresentaria um trabalho numa conferência internacional. Mesmo mostrando aos policiais o seu trabalho e o seu nome impresso no cartaz da conferência, eles a deportaram.

O chanceler Celso Amorim passou o Carnaval em Madri, quando aproveitou para se reunir com seu colega espanhol, Miguel Ángel Moratinos, e queixar-se do problema. Parece que não surtiu resultados. Na nota de ontem, redigida pelo próprio Amorim, o Brasil ameaça com adotar o “princípio da reciprocidade”, o que, em linguagem diplomática, significa pagar com a mesma moeda.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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