Desintegração assusta iugoslavos

Uma sérvia, um croata e um bósnio falam da guerra

 De repente, o sentimento de que os croatas, sérvios e mulçumanos estavam mais seguros juntos do que separados, desapareceu. É assim que o editor croata Nenad Popovic, de 41 anos, descreve a explosão de forças centrífugas que alimenta a guerra na Iugoslávia.

Em entrevistas ao Estado, Popovic, de Zagreb ·(capital da Croácia), a sérvia Biljana Lukic, de Belgrado (capital da Sérvia e da Iugoslávia), e o croata Ivan Lovrenovic, de Serajevo (capital da Bósnia-Herzegovina), descrevem a desintegração do país.

Um sentimento de estupefação perpassa as declarações dos três. Biljana, 43 anos e tradutora de textos de literatura e antropologia (do francês para a língua sérvia), não entende como os sérvios querem criar uma república na Bósnia, se as comunidades sérvias estão espalhadas por todo seu território. O bósnio Lovrenovic, de 47 anos, escritor e jornalista, assegura que os grupos étnicos iugoslavos podem voltar a conviver em paz.

Lovrenovic responsabiliza os governantes da Croácia e da Sérvia pela guerra, e acredita que a solução seria a democracia. Mas reconhece que o conflito em escala total se dirige para a Bósnia.

Já Popovic, tradutor para o servo-croata de literatura alemã e francesa, não lamenta o fim da Iugoslávia: “Estou feliz com isso.”

 Seguem as três entrevistas, feitas no momento em que a Comunidade Européia reconhecia na semana passada a Croácia e a Eslovênia, e estudava os pedidos de reconhecimento da Bósnia e da Macedônia.

“Reconhecimento não vai alterar situação militar”

Estado – Quais são os efeitos possíveis do reconhecimento da Croácia pela Comunidade Européia?

Nenad Popovic – Reconhecimento pode se traduzir em ajuda econômica e política, e é importante, em termos psicológicos. Pode fortalecer indiretamente as forças democráticas na Sérvia. Mas não mudará a situação militar.

Estado – As repúblicas iugoslavas ainda poderão formar uma confederação?

Popovic – Não. As feridas abertas pela guerra são muito traumáticas. Nem aqui nem na Eslovênia se pensa em formar uma confederação com as outras repúblicas. Acho que é mesmo o fim da Iugoslávia. E estou feliz com isso.

Estado – Por quê?

Popovic – Não creio que seja a melhor solução, mas não foi uma decisão tomada por nossos políticos. Esta não é uma guerra na Croácia, é uma guerra contra a Croácia.

Estado – As relações pessoais entre sérvios e croatas mudaram?

Popovic – Nas regiões de combate, sim. Mas há áreas em que a minoria sérvia na Croácia não toma parte na guerra. De qualquer forma, a idéia de solidariedade da comunidade de nações eslavas do Sul ruiu. Pois isso era o que nos unia: o sentimento de que estávamos mais seguros juntos do que sozinhos. De repente, isso acabou.

Estado – E o futuro das comunidades sérvias na Croácia?

Popovic – Acho que esse é um dos maiores desastres dessa guerra. A política extremista sérvia volta os sérvios contra si mesmos. Membros de comunidades sérvias na Croácia integram as forças croatas, que agora lutam contra os sérvios.

Estado – Vocês levam uma vida normal em Zagreb?

Popovic – Sim. Zagreb foi atacada cerca de 10 ou 20 vezes, tivemos entre 70 e 80 alarmes antiaéreos. O front está a 30 quilômetros. Zagreb mesma não sofreu muito. Mas temos 100 mil refugiados, comunidades inteiras da Eslovênia nas barracas abandonadas (pelo Exército federal).

 

“Não sabemos o que o Exército está fazendo”

Estado – Os sérvios apóiam as ações do governo da Sérvia e do Exército federal?

Biljana Lukic – Em Belgrado, nós não sabemos ao certo o que está acontecendo. As informações que recebemos não são confiáveis. Temos a Rádio Juventude e o jornal Borba, considerados independentes, mas mesmo eles não veiculam informações confiáveis. Portanto, não sabemos exatamente o que o Exército federal está fazendo. De qualquer forma, sei que a maioria das pessoas é contra a guerra.

Estado – O que a Sérvia tenta salvar: as minorias sérvias ou a Federação Iugoslava?

Biljana – É uma questão complexa. A Sérvia insiste na Federação, porque nela os sérvios são mais numerosos e hegemônicos. Mas a preocupação com as comunidades sérvias na Croácia e na Bósnia sem dúvida alimenta a guerra.

Estado – A minoria sérvia na Croácia estaria ameaçada com a independência da república?

Biljana – Não sei dizer. Mas eles tinham razão de protestar quando iniciaram suas manifestações nas estradas da Croácia. Há na Croácia enclaves de maioria sérvia, onde as pessoas falam dialeto e têm uma cultura muito diferente. Esses sérvios estão totalmente excluídos da Croácia.

Estado – E na Bósnia?

Biljana – A situação me parece mais grave ainda na Bósnia. Lá há mais de 30% de sérvios, entre 18% e 20% de croatas e mais os muçulmanos e outros grupos, todos espalhados pela república. Agora, os sérvios proclamam sua república. Que república? Não consigo imaginar como esses grupos podem ser separados.

Estado – Os fantasmas da 2ª Guerra – os massacres entre sérvios e croatas – alimentam o conflito atual?

Biljana – Eu particularmente não convivo com esses fantasmas. Tenho amigos de todos os grupos étnicos, com quem convivo normalmente. Saio à noite, vou a restaurantes com croatas. Mas sei que o conflito se reflete nas relações entre outras pessoas.

 

“Há condições de se chegar a um acordo futuro”

Estado – Ainda é possível os croatas, sérvios e muçulmanos da Bósnia-Herzegovina viverem numa mesma estrutura política?

Ivan Lovrenovic – Sim. Esses grupos étnicos convivem há centenas de anos, e podem continuar convivendo, até porque não há como separá-los geograficamente. No momento, a situação é muito explosiva, mas acredito que haja condições para se chegar a um acordo no futuro.

Estado – Há chance de se formar algum tipo de confederação entre as repúblicas iugoslavas?

Lovrenovic – No momento, não existe clima para isso. Mas a atual situação de confronto é uma contingência e tudo depende dos políticos em Belgrado e em Zagreb. Entenda, o que nos levou à guerra foram as opções feitas pelos nossos governantes. Os cidadãos comuns não querem essa guerra. Sérvios, croatas e mulçumanos podem conviver pacificamente, como sempre.

Estado – Qual a solução?

Lovrenovic – A solução é estabelecer governos democráticos e liberais na Sérvia, Croácia e Bósnia-Herzegovina. Políticos que realmente representem as aspirações do povo buscarão uma solução.

Estado – A proclamação de uma república sérvia na Bósnia leva o conflito em escala total para a república?

Lovrenovic – Infelizmente. A escalada agora parece inexorável.

Estado – Qual a situação em Serajevo?

Lovrenovic – A situação está bastante calma aqui. Não há sinais de um aumento na tensão nem de aproximação do conflito.

Estado – O eventual reconhecimento da independência da Bósnia pela Comunidade Econômica Européia pode ajudar?

Lovrenovic Sem dúvida. A Europa pode e deve desempenhar um papel muito importante na solução dessas crises. O reconhecimento da independência da Eslovênia e da Croácia pela CEE abriu para nós um período de grandes expectativas.

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