Brigitte, a grande força de Macron

BRIGITTE E EMMANUEL MACRON: presidente eleito afirmou que sua mulher terá papel relevante no novo governo/ Pascal Le Segretain/ Getty Images

PARIS, França – Embora já tenha feito a escolha, Emmanuel Macron só deverá anunciar quem chefiará o seu governo depois de tomar posse como presidente, no domingo 14. Ele declarou no fim da campanha que gostaria de nomear uma primeira-ministra — e que seu ministério, reduzido de 34 para 15 integrantes, terá paridade entre mulheres e homens. Seja quem forem os nomeados, já se sabe que uma mulher terá enorme influência no Palácio do Eliseu: a dele, Brigitte Macron.
O casal se conheceu quando ele tinha 15 anos e ela, 39. Brigitte era professora de teatro e de francês do jovem Emmanuel. Num certo sentido, a relação professor-aluno se manteve. Os assessores de Macron comentam o papel importante que ela exerce no dia-a-dia.

“Jamais a esposa de um postulante esteve tão presente em uma campanha presidencial”, observou o jornal Le Monde. “Deslocamentos cotidianos, comícios, programas de televisão, reuniões no quartel-general do Em Marcha! (o movimento liderado por Macron). Ela participou de cada momento da ascensão de seu marido, não com papel decorativo, mas como verdadeira atriz dessa batalha.” Brigitte corrige e repassa os discursos de Macron, como na época em que era sua professora, administra sua agenda, assessora a comunicação e faz contatos com a população.

No documentário “Emmanuel Macron: a Estratégia do Meteoro”, Brigitte, hoje com 64 anos, é vista em várias situações nessa tarefa. E, ao elogiar sua cultura e inteligência, declara: “Vão dizer que é porque somos casados. Mas quem está falando aqui é a professora”.

Além da inteligência e da cultura, Macron despertou a paixão em Brigitte por uma terceira característica que o ajudaria a chegar aonde chegou no domingo, quando se elegeu o mais jovem presidente da história da França, aos 39 anos: sua capacidade de comunicação e domínio de cena.

Aos 15 anos, o jovem Emmanuel estava encenando, sob direção da professora, no teatro da escola em Amiens, cidade natal de ambos (110 km ao norte de Paris), a peça “A Comédia da Linguagem”, de Jean Tardieu. O documentário mostra a cena gravada da peça, em que o ator abre os braços e exclama: “Ah, como é bom renascer”.

A câmera do vídeo amador mostra então a professora no fundo do teatro, embevecida. Ali começava o romance de ambos, que acabou causando inquietação na pequena cidade. Brigitte era casada com o banqueiro André-Louis d’Auzière, com quem tinha três filhos adolescentes. Por sinal, uma das filhas, Tiphaine, era colega de classe de Macron. Herdeira de uma fábrica de chocolates, a Trogneux, Brigitte passou a receber Emmanuel em sua casa, o que não passou despercebido de ninguém, incluindo seu marido. Isso foi em 1993. O casal entrou em crise, mas continuaria casado até 2006, quando veio o divórcio e, no ano seguinte, Brigitte se casou com Emmanuel.

Os pais de Macron decidiram enviar o filho para continuar os estudos em Paris, e Brigitte o incentivou, para ver se punha fim ao romance. No entanto, como ela mesma conta, eles se falavam por horas todos os dias ao telefone, e ela continuou exercendo o papel de tutora acadêmica de seu amante. “Ele foi minando minha resistência de maneira incrível, com paciência”. Mais adiante, Macron usaria sua persistência e sensibilidade para minar as resistências também dos filhos de Brigitte. A tal ponto que se tornaram amigos, aceitaram o casamento e Tiphaine até se engajou em sua campanha presidencial.

O casal veio morar em Paris e Brigitte se transferiu para uma escola de ensino médio na capital francesa. Quando Macron se tornou ministro da Economia, em 2014, ela assumiu o papel de seu assessor informal e não remunerado. Ao anunciar a sua equipe sua saída do ministério, em agosto do ano passado, para se lançar à presidência,  ele agradeceu sua mulher, sentada à sua direita: “Ela fez parte deste gabinete, e isso foi importante para nós”, declarou, arrancando aplausos dos assessores.

A presença de Brigitte, sorridente e elegante, deixando-se fazer selfies com os simpatizantes do marido, assim como a extraordinária história de amor do casal, tornaram-se ativos políticos de Macron. Os assessores e jornalistas concordam que ela confere ao marido um ar mais “humano”, que compensa sua imagem de tecnocrata formado na Escola Nacional de Administração e vindo do mercado financeiro.

Sua brutal capacidade de persuasão, aliás, é testemunhada, no documentário, por François Henrot, diretor do Banco Rothschild. Ele conta como, depois de duas horas de conversa, decidiu nomeá-lo conselheiro do banco, em 2009, sem jamais tê-lo encontrado antes. “Isso nunca havia acontecido antes e não voltou a conhecer.” Henrot descreve assim os talentos empregados por Macron no seu trabalho no banco, que intermedeia entre outras coisas grandes fusões e aquisições: “Sua capacidade de seduzir um cliente está em saber contar uma história. Não quero dizer de manipulação da opinião, mas é quase isso”. A fulminante campanha de Macron à presidência, sem nunca ter sido eleito para um cargo anterior, é uma prova disso.

Em contrapartida, a suposta frieza de Macron foi testada durante a aprovação da lei que leva seu nome, em 2015, que flexibiliza as regras trabalhistas. O então ministro da Economia enfrentou com uma quase impassibilidade budista as manifestações de sindicalistas e o escárnio de políticos contrários à reforma.

Retrocedendo um pouco mais na vida de Macron, o documentário exibe outro depoimento bastante elucidativo, sobre como ele conseguiria mais tarde ocupar o centro do espectro político francês, angariando apoio tanto da esquerda quanto da direita, em um país polarizado. Jean-Baptiste de Froment, seu ex-professor no prestigiado e competitivo colégio Henri IV, conta que Macron não era bom em matemática, mas se saía bem nas provas orais, porque, em vez de aceitar que havia uma alternativa certa e outra errada, buscava uma terceira via. De Froment é hoje vereador em Paris pelo partido Os Republicanos, de centro-direita.

“Há algo na função presidencial que, de toda forma, abarca o casal”, disse Macron à revista Paris Match, na quinta-feira 4, às vésperas do segundo turno. “Brigitte é um pouco eu e reciprocamente. Ela me é essencial.” Na celebração do Dia Internacional da Mulher, em 8 de março, ele declarou, no Teatro Antoine, em Paris, a respeito do papel de Brigitte: “Se amanhã eu for eleito, ela não ficará dissimulada, atrás de um tuíte, um esconderijo ou outro. Ela estará a meu lado, porque ela sempre esteve”.

Pareceu uma alusão à forma como o presidente François Hollande tratou sua ex-companheira, a jornalista Valérie Trierweiler, e seu romance secreto com a atriz Julie Gayet. Hollande era antes casado com Ségolène Royal, candidata derrotada à presidência em 2007, quando ele dirigia o Partido Socialista. Logo depois daquela campanha, Royal se separou do marido, levando a público o caso dele com Trierweiler. Mesmo assim, Royal participou da campanha vitoriosa de Hollande em 2012 e se tornou ministra do Meio Ambiente e da Energia.

Por causa da diferença de idade, Emmanuel e Brigitte poderiam ser considerados um casal “incomum”, como ele próprio reconheceu na cerimônia do casamento, acrescentando: “Mas é um casal que existe”.  De outro ponto de vista, no entanto, é a primeira vez em muitos anos que o Eliseu é ocupado por um casal “normal”, por assim dizer.

A vida sentimental dos antecessores de Hollande foi tão trepidante, durante o exercício do cargo, quanto a dele. Semanas depois de se eleger, Nicolas Sarkozy foi deixado por sua mulher, Cécilia Ciganer, que se casou no ano seguinte com o publicitário Richard Attias. Sarkozy, por sua vez, casou-se também no ano seguinte com a modelo italiana (hoje cantora) Carla Bruni.

Antes dele, o presidente Jacques Chirac e sua mulher Bernadette ocupavam alas separadas do palácio. Assim como François e Danielle Mitterrand não tinham um relacionamento de casal havia muito tempo: o líder socialista sustentou um romance com a historiadora da arte Anne Pingeot por mais de 30 anos.

Como se vê, o conceito de “normal” é relativo.

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