A França de Marine Le Pen

HÉNIN-BEAUMONT, França – Cravada no norte da França, a cidade de Hénin-Beaumont já viu dias melhores. A tranquilidade das ruas limpas e sem trânsito não revelam as agruras que a população de 25 mil habitantes tem passado nas últimas duas décadas. A cidade faz parte de uma zona de mineração que se estende por 120 quilômetros na região de Nord-Pas-­de-Calais. Hénin-Beaumont sofreu tanto quanto toda a região que, depois de 2000, perdeu indústrias como a ArcelorMittal e a Samsonite para países de mão de obra mais barata. Na região, há 1.350 empresas em estado de falência. Como reflexo dessa debandada e do fechamento das minas de carvão, o desemprego chega a 18%, quase o dobro da média nacional, de 9,7%. A região tem o índice de desenvolvimento humano mais baixo da França. Seu índice de pobreza, de 19%, está 5 pontos abaixo da média nacional.

Hénin-Beaumont é também o domicílio eleitoral de Marine Le Pen, a candidata da ultradireitista Frente Nacional (FN). A cidade deu a Le Pen 46,5% dos votos no primeiro turno – mais que o dobro de seu resultado nacional (21,3%). Mais do que isso, Hénin-Beaumont personifica o eleitorado que levou Le Pen ao segundo turno nas eleições presidenciais. Afastadas dos grandes centros urbanos e ainda tendo de lidar com a ressaca do processo de desindustrialização, cidades como Hénin-Beaumont se mostraram o principal reduto da Frente Nacional.

Nessas cidades, a promessa de reduzir gastos com o combate à má gestão e à corrupção, baixar os impostos para os segmentos de menor renda e investir mais na segurança vem conquistando, a cada eleição, mais adeptos para a FN. Na campanha, Le Pen prometeu cortar 10% das três faixas mais baixas do Imposto de Renda, além de restabelecer a isenção sobre as horas extras, que foi instituída no governo de Nicolas Sarkozy (2007-2012) e abolida no do atual presidente, o socialista François Hollande. Ela acenou também com a isenção para salários e aposentadorias de até € 1.500 e, como compensação para a perda de receitas, com a cobrança de uma contribuição social sobre as importações. Com isso, diz Le Pen, um dos maiores males da França seria inibido: a entrada de produtos estrangeiros no mercado nacional. Le Pen propõe também expulsar todos os 11 mil estrangeiros que constam da chamada Lista S, dos suspeitos de envolvimento com terrorismo, e investir mais em segurança.

O prefeito de Hénin-Beaumont, Steevie Briois, de 45 anos, da FN, é elogiado mesmo entre pessoas que não votaram nele por seguir essa cartilha. Briois cortou o imposto predial em 10% em seu primeiro ano de mandato, em 2014. No ano seguinte, cortou outros 5%. Neste ano, promete baixar mais 3%. Também aumentou o efetivo da Guarda Municipal. Hoje, a cidade é uma espécie de microcosmo do que a Frente Nacional pretende fazer com a França.

“Gosto da administração daqui”, diz Elodie Pinte, de 34 anos, funcionária da Air France, a companhia aérea estatal. “Temos um prefeito da FN e ele vai indo muito bem com as mudanças que fez nos impostos, no cotidiano da cidade.” Elodie diz que votou em Le Pen “pela mudança”, porque acha que Emmanuel Macron representa a “continuidade do governo de Hollande”. Ela não concorda com o plano de Le Pen de sair da União Europeia. “Mas ela propõe um referendo”, pondera. “Eu quero mais segurança, mais controle nas fronteiras. Macron é a favor da globalização, da concorrência desleal.”

Diferentemente dos valores que costumam ser associados à direita, Le Pen não é liberal na economia. Pelo contrário. Na campanha francesa, ela prometeu mais intervenção e proteção do Estado. Em 2010, Sarkozy elevou a idade mínima de aposentadoria de 60 para 62 anos. Le Pen promete voltar aos 60, desde que o desemprego caia do atual patamar de 9,7%, de modo a aumentar as contribuições. Em Hénin-­Beaumont, esse tipo de  promessa atraiu eleitores como Violaine Dupont, de 39 anos, que por causa de um acidente de carro nunca trabalhou e vive de pensão por invalidez.  “Votei na madame Le Pen, para mudar tudo o que ela promete mudar, e que faça mais pelos aposentados e desempregados.”

Chantal Petit, de 49 anos, tem votado de formas diferentes em cada eleição: escolheu Sarkozy em 2007 e Hollande em 2012. Ambos a decepcionaram. “Agora votei em Le Pen, porque ela quer fazer muitas coisas de que o país precisa”, diz Chantal, que trabalha com inspeção de imóveis. Ela, que diz não ser de direita nem de esquerda, cita as promessas de Le Pen de aumentar a proteção social para as crianças e de evitar que as empresas saiam da França em busca de mão de obra mais barata – argumento claramente populista, já que ninguém pode obrigar uma empresa a não fechar as portas. Chantal também é a favor da saída da Zona do Euro: “Na época do franco francês, era melhor. Com o euro, o custo de vida aumentou muito”.

Como aconteceu nos Estados Unidos, onde muitos imigrantes votaram em Donald Trump por achar justo que ele coibisse abusos cometidos por estrangeiros, também, na França, Le Pen atraiu o apoio de parte deles. O indiano Tirou Vingadame, de 51 anos, faz parte desse público. Ele chegou à França com 29 anos e hoje trabalha com serviços gerais numa empresa americana. “Votarei em madame Le Pen para dar a França aos franceses”, diz ele. “A França é como uma boa mãe. Ela te dá onde dormir, beber e comer. E, mesmo que você cometa um delito, ela o acolhe.”

A escultora francesa Louise Bourgeois tem uma obra de bronze hoje clássica, reproduzida em várias cidades do mundo, inclusive São Paulo. Trata-se de uma aranha gigante, intitulada Maman (Mamãe). Louise diz que, ao ficar debaixo dela, a pessoa se sente ao mesmo tempo protegida e ameaçada. Le Pen representa essa mistura de sentimentos. Por um lado, parece aplacar o medo dos franceses do desemprego e do terrorismo. Por outro, há um receio: de que suas medidas econômicas amalucadas espantem os investidores e tragam, junto com isso, menos salário e mais desemprego.

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