Refugiados lotam escolas de Tbilisi

Muitos não sabem o paradeiro dos parentes, que se separaram durante a fuga das ofensivas georgiana e russa

TBILISI – No ginásio da Escola 161, Tamar, de 9 anos, entretém as meninas menores. Muito viva, quando vê o estrangeiro, vem conversar com ele. O repórter lhe pergunta onde ela mora. “Aqui”, responde Tamar, com um sorriso. E onde morava antes? “Em Avnevi”, diz ela, referindo-se a um dos vilarejos mais castigados pelos combates da última semana na Ossétia do Sul. “Vim para cá porque os russos bombardearam minha casa.”

Como Tamar, havia até ontem 49.920 refugiados em Tbilisi e 4.610 noutras partes da Geórgia, disse ontem ao Estado uma porta-voz do Ministério de Refugiados e Habitação. Não há escola na capital de 1 milhão de habitantes que não abrigue refugiados – e as férias de verão terminam em setembro. O Alto Comissariado da ONU para Refugiados estima que 100 mil pessoas (2% da população de 4,6 milhões) tiveram de deixar suas casas por causa do conflito entre Rússia, separatistas ossétios e Geórgia. Mas algumas pessoas foram para casa de parentes. Moradores de cidades como Zugdidi e Senaki, cujos acessos são controlados pelos russos, não conseguiram passar e se esconderam no campo. E a maior parte dos ossétios se refugiou na Rússia.

O agricultor Giorgi Eluashvili só ficou sabendo ontem do paradeiro de sua mulher. O casal estava em casa no vilarejo de Didze quando uma bomba caiu no quintal. Sua mulher ficou presa nos escombros. Só três dias depois, quando os combates diminuíram, o resgate pôde vir retirá-la. Levaram-na para o Hospital Militar de Gori, a 30 km. Não havia leito para ela. Mesmo com a perna ferida, a mulher caminhou 15 km até Khashuri, perdendo o contato com a família. Um primo a encontrou ontem. Mas a Cruz Vermelha informou que não pode levá-la para Tbilisi enquanto não houver cessar-fogo.

A procura de Eluashvili não acabou. Há três dias ele perdeu contato com o filho, que teve que viajar com a mulher e dois filhos de Nikozi, fora da Ossétia, para Khashuri, na província, onde sua sogra morreu de doença. O genro de Eluashvili, Ilia Parishvili, de 39 anos, é refugiado pela segunda vez. Em 1991, durante a guerra da independência da Ossétia do Sul contra a Geórgia, ele teve que deixar sua casa em Tskhinvali, onde restaram poucos georgianos étnicos como ele.

A viúva Luiza Tsuriashvili, de 52 anos, também não sabe se seu filho está vivo ou morto. Quando os russos começaram a bombardear seu vilarejo, Pkhvenisi, ela fugiu para Gori com um casal de amigos. O filho Shalua, um tratorista de 30 anos, ficou porque queria juntar 30 vizinhos para levar na carroceria do seu trator. Há três dias ele não atende o celular – ela não sabe se porque a bateria acabou (não há eletricidade na Ossétia do Sul) ou se porque lhe aconteceu algo.

O casal que levou Luiza a Gori achou que era seguro voltar, para pegar mais pertences em casa. Seu carro foi alvejado no caminho e o casal morreu. Luiza veio de Gori para Tbilisi de trem, sozinha. Ela conta que até a igreja de Pkhvanisi foi bombardeada, e que a maioria das 400 famílias de georgianos étnicos que vivem lá morreu.

O marido de Nino Markosashvili não estava na escola ontem à tarde. Ele tinha ido fazer contatos com ossétios em Tbilisi, para tentar trocar seu irmão e seu sobrinho por prisioneiros ossétios. Os dois foram capturados. Nino, de 41 anos, recorda que sempre teve boas relações com os ossétios em Khashuri, onde mora há 22. “Não sei por que a situação mudou”, diz ela. “Sou contra o que (o presidente da Geórgia, Mikhail) Saakashvili fez”, continua, referindo-se à ofensiva de uma semana atrás contra a província separatista. “Prefiro os russos.”

A declaração causa furor entre os refugiados que aguardam, em círculo, para contar sua história ao repórter do Estado. “A Ossétia pertence à Geórgia desde 1917”, reage Robizon Ecadashvili, de 69 anos, de pai georgiano e mãe ossétia. “Se os russos continuarem agindo assim, nunca voltaremos”, diz o funcionário aposentado do estúdio de cinema de Tbilisi, que está na escola com quatro filhos e cinco netos. Ele afirma que, durante conflitos em 1989, viu soldados russos cortarem a barriga de mulheres georgianas grávidas.

A imensa maioria dos refugiados em Tbilisi é composta de georgianos étnicos. Mas muitos têm ascendência ossétia, já que o conflito entre as duas etnias data do fim da União Soviética (1990), da qual a Geórgia declarou independência, assim como a Ossétia do Sul e a Abkházia fizeram depois em relação à Geórgia. “Foram os russos que começaram tudo, não os georgianos ou ossétios”, diz Marina Jokhadzo, cuja avó era ossétia. “Se os russos saírem da Geórgia, viveremos em paz.”

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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