Após 2 anos, Itália volta às urnas desiludida

No primeiro dia das eleições gerais, participação é de 63,64%

ROMA – Dois anos depois de terem eleito um governo, que perdeu a sua exígua maioria no início do ano, os italianos, entre resignados e indignados, voltaram às urnas ontem, no primeiro de dois dias de eleições parlamentares, provinciais e municipais. Até o encerramento das urnas às 22h de ontem, 63,64% dos 47 milhões de eleitores habilitados a votar para a Câmara dos Deputados tinham comparecido – um pouco menos que o encerramento do primeiro dia em 2006, quando foram 67,61%.

Uns votaram pensando no bolso, outros em nome de princípios, e alguns conseguiram conciliar os dois critérios. Foi o caso do profissional de informática Luca, de 40 anos (que não quis dizer seu sobrenome). “Votei por O Povo da Liberdade, porque eles têm representado valores como a família e a educação, que não encontro noutros partidos”, disse Luca ao sair de uma missa, referindo-se ao partido do ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, de centro-direita.

“São pessoas que estão na política há muito tempo, e levam adiante temas como a educação, o ensino público e a ajuda à família concretamente”, continuou Luca. “No outro governo de Berlusconi, nasceram meus dois filhos gêmeos, que agora estão com dois anos e meio, e recebi um bônus de € 1.500 por cada criança, coisa que nunca aconteceu nos sucessivos governos de centro-esquerda.” Luca tem razões de sobra para se importar com isso. É pai de seis filhos: além dos gêmeos, um de 6 anos, um de 9, uma de 12 e outra de 14. “Do ponto de vista fiscal, ter seis filhos ou nenhum é a mesma coisa”, queixou-se ele.

Berlusconi prometeu retomar esse programa, se for eleito. As últimas pesquisas, divulgadas há duas semanas, quando se encerrou o seu prazo legal, colocam o magnata da mídia, de 71 anos, entre cinco e nove pontos à frente de seu principal adversário, o ex-prefeito de Roma Walter Veltroni, de 52 anos, líder do Partido Democrático (PD), de centro-esquerda.

Muitos italianos se sentem desiludidos pela crônica estagnação econômica (o país é o que menos cresce na Europa, registrando 1,5% no ano passado) e com o sistema político, pelo qual se vota em listas partidárias, com um esquema de prêmio para garantir a maioria na Câmara e base de cálculo regional para o Senado, o que termina distorcendo os resultados. Apesar dessa desilusão, Renato Mannheimer, diretor do Instituto de Estudos da Opinião Pública, prevê que a maioria dos eleitores continue votando como sempre: “O voto na Itália é pouco móvel.”

Exemplo disso é a professora de química aposentada Paola Gombi, de 66 anos. “Votei no PD porque sempre votei na esquerda. Em quem mais iria votar?”, perguntou ela. “A esquerda mudou muito. Esperamos que tenha aprendido algumas coisas.”

Uma lei aprovada em 2006, no início do governo do ex-primeiro-ministro Romano Prodi, do partido de Veltroni, destinada a combater a sonegação tributária, foi identificada como aumento de impostos, e o tornou bastante impopular. Outra explicação para a desvantagem de Veltroni nas pesquisas é colapso na coleta de lixo em Nápoles, também administrada pela centro-esquerda.

Mas isso não abala Paola. “O governo Prodi fez coisas boas, que não foram avaliadas como deveriam”, disse ela. “Prodi não tem lá muita capacidade de comunicação e seguramente cometeu erros. Mas fazer os sonegadores pagarem impostos é uma coisa que nenhum governo havia conseguido antes.”

“Berlusconi não se interessa de verdade pela fatia mais frágil do país, mas só pelos mais ricos”, disse Roberto, de 45 anos, eleitor de Veltroni, formado em ciência política e funcionário do Parlamento.

Nas eleições anteriores, a centro-esquerda apresentou-se aliada à Esquerda Arco-Íris, que reúne comunistas e verdes. Veltroni rompeu com ela, criando o PD e levando-o mais para o centro do espectro. Não sem um custo. Muitos eleitores não atenderam a seus apelos pelo “voto útil” da esquerda. “O voto útil é um erro, um tipo de polarismo que não aprovo”, disse um pesquisador de fármacos aposentado, de 68 anos, que votou na Esquerda Crítica, nova dissidência dos comunistas. “Acho que o programa deles é melhor: redução dos gastos militares, retirada de nossos militares do exterior, aumento dos gastos com educação e saúde, melhora das aposentadorias e do salário mínimo.”

Quanto a ter de voltar às urnas, disse o aposentado Massimo Di Marco, de 60 anos: “Estou habituado a isso.” Ele e sua mulher, Anna Grau, também de 60 anos, não acreditam que nem Berlusconi nem Veltroni vão cumprir a promessa de aumentar as aposentadorias.

“Não posso dizer o que penso sobre os italianos terem de ir votar de novo depois de dois anos”, declarou uma funcionária do centro cultural Instituto Suíço, de 57 anos. “É trágico, estúpido, mas é assim. Todos são iguais, porque prometem e não cumprem. Só que, nos outros países, há um pouco mais de regras. Os italianos são muito criativos, mas não têm regras.”

“A Itália precisa de uma mudança radical, que os partidos que se têm revezado no poder dificilmente farão”, disse Paolo Oghini, um motorista de táxi de 44 anos. “Vamos de um lado para outro e a situação não muda. Prova disso é o fato de ter que votar de novo dois anos depois. Mas o bom senso me obriga a votar.”

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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