Berlusconi assume posições ‘de esquerda’

Ele quer manter a Alitalia nacional e escolhe protecionista para Economia

ROMA – O ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, que segundo as pesquisas deve voltar ao cargo depois das eleições gerais de domingo e de segunda-feira na Itália, anunciou ontem o nome de seu ministro da Economia, caso a vitória se confirme nas urnas. É o economista e tributarista Giulio Tremonti, que acaba de lançar um livro no qual defende a adoção de barreiras tarifárias ou mesmo a saída da Organização Mundial do Comércio (OMC) caso a China e outros competidores continuem não aplicando direitos trabalhistas e normas ambientais observadas na Europa.

Berlusconi, líder da aliança de centro-direita O Povo da Liberdade, está entre 5 e 9 pontos porcentuais à frente do ex-prefeito de Roma Walter Veltroni, que encabeça a coalizão de centro-esquerda Partido Democrático. Tremonti participou dos dois governos anteriores de Berlusconi, como ministro das Finanças (1994) e da Economia e Finanças (2001-2004) e como vice-presidente do Conselho de Ministros (2005-2006).

Em contraste com a baixa consistência das idéias de Berlusconi, um bilionário populista que se diverte fazendo declarações politicamente incorretas e desdizendo-se a todo o momento, Tremonti, ex-professor universitário, pode ser considerado a cabeça pensante do próximo governo. E suas idéias são o melhor exemplo do embaralhamento ideológico na Itália, onde as principais correntes de direita e de esquerda caminharam para o centro e, sob vários ângulos, trocaram de lugar.

Em seu livro O Medo e a Esperança, que acaba de chegar às livrarias, o economista se insurge contra o “mercadismo”, que ele define como “a utopia-mãe da globalização”, adotada por “liberais drogados pelo sucesso na luta contra o comunismo”. Segundo ele, foi essa ilusão que levou o Ocidente a permitir a entrada prematura da China na OMC, em dezembro de 2001, antes que ela adotasse práticas trabalhistas e ambientais que a aproximassem das condições de produção nos países desenvolvidos.

Os Estados Unidos, diz Tremonti, não ficaram tão expostos como a Europa a essa assimetria na concorrência, porque, “mesmo em pleno mercadismo, dedicam-se a tutelar seus interesses econômicos”. Agora, a única saída para a União Européia, receita o economista, é “exigir a aplicação universal de claúsulas sociais e ambientais”, de modo a garantir “o alinhamento entre a circulação das mercadorias e a tutela dos direitos”. O Brasil, ao lado de outros grandes países emergentes, como a China e a Índia, tem resistido a essa vinculação, por considerá-la um artifício protecionista.

O possível futuro ministro da Economia italiano vai mais longe, no entanto: “A Europa deve (e pode) introduzir um IVA (imposto sobre valor adicionado) equalizador sobre as importações dos países que produzem violando tais regras, ou aplicar seriamente uma tarifa aduaneira equivalente.” Se essa medida desencadear ações na OMC que prejudiquem empresas européias, Tremonti propõe a “saída unilateral” da UE da OMC.

Pier Ferdinando Casini, líder da União dos Democratas-Cristãos e de Centro (UDC) e ex-aliado de Berlusconi, afirma que Tremonti exercerá uma “influência protecionista” sobre o eventual governo do magnata da mídia. Segundo Casini, que conhece ambos de perto, essa influência é visível na posição de Berlusconi sobre a crise de insolvência vivida pela Alitalia, a maior companhia aérea italiana.

O governo de centro-esquerda de Romano Prodi, dissolvido no mês passado depois de perder a maioria no Senado, apoiou a venda da empresa – da qual o Estado é o maior sócio, com 49,9% das ações – para o grupo Air France-KLM. O candidato da aliança de centro-esquerda Partido Democrático, Walter Veltroni, também é a favor do negócio. Berlusconi é contra, afirmando ser “inconcebível” que a Itália não tenha uma grande companhia aérea. No que é apoiado pelo líder comunista Fausto Bertinotti. A aquisição implica a demissão de cerca de 2.100 empregados da Alitalia.

Berlusconi anunciou que articula a formação de um consórcio italiano para comprar a companhia, do qual fariam parte seus filhos, que gerem os seus negócios. O grupo franco-holandês avisou que sua oferta de € 139 milhões, mais a aquisição de € 608 milhões em títulos conversíveis da Alitalia e uma injeção de capital € 1 bilhão, é final. Uma reunião entre os nove sindicatos envolvidos, marcada para hoje, foi cancelada. Eles querem primeiro ouvir o governo, num encontro previsto para amanhã.

Em mais uma de suas tiradas, Berlusconi, que costuma aparecer em público ao lado de beldades, declarou ontem que “as mulheres de direita são certamente mais bonitas”, e que “a esquerda não tem gosto nem para mulheres”. A afirmação provocou reações iradas de mulheres parlamentares de esquerda, que pediram ao eleitorado feminino que não vote nele. No início do mês, Berlusconi já havia causado indignação, ao aconselhar a uma jovem que se queixava da precariedade dos empregos informais a se casar com um rapaz rico, como os filhos dele, por exemplo.

Como faz com freqüência, o candidato desmentiu ontem o que havia dito na véspera, que o líder de extrema direita Umberto Bossi estava doente. Fora uma forma de descartar a possibilidade de Bossi ser ministro em um eventual governo seu. “Tudo inventado”, garantiu ontem Berlusconi, apesar de toda a imprensa ter noticiado sua declaração.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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