Berlusconi usa crise do lixo em Nápoles para atacar adversário

Para líder da centro-direita, falta de solução da questão ‘básica’ mostra inabilidade da centro-esquerda italiana

ROMA – O ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, líder da oposição de centro-direita e candidato favorito nas eleições de domingo e de segunda-feira, acusou ontem os seus adversários de centro-esquerda de terem manchado a imagem da Itália no mundo, e o seu principal rival, o ex-prefeito de Roma Walter Veltroni, de tentar esconder o seu passado comunista. No encerramento de sua campanha no fim da tarde de ontem em Roma, Berlusconi reuniu cerca de 6 mil pessoas ao lado do Coliseu e em frente ao Arco de Constantino, um dos pontos de maior simbolismo da cidade.

“A Itália já não é mais percebida como o belo país da arte e da cultura”, lamentou Berlusconi, diante da platéia de entusiasmados simpatizantes. “Mas como um país que não é moderno, que não resolveu o problema elementar do lixo.” Berlusconi se referia à crise da coleta de lixo em Nápoles, governada por Antonio Bassolino, da coalizão de centro-esquerda de Veltroni e do ex-primeiro-ministro Romano Prodi, que renunciou em janeiro, depois de perder a maioria no Senado.

“Pensem no ‘made in Italy’, em marcas como Dolce & Gabbani, na Armani, no vinho italiano”, enumerou Berlusconi, dramatizando os efeitos da crise que, de concreto, afetou as vendas da mozzarela de búfala produzida na província. A crise foi desencadeada por uma aparente falha de planejamento: os aterros sanitários ficaram cheios sem que o governo providenciasse novos destinos para o lixo, que está sendo exportado para a Alemanha. A crise prejudicou a imagem da centro-esquerda. Na quarta-feira, numa espécie de ato de desagravo, Veltroni havia visitado e abraçado Bassolino: “Obrigado por tudo o que você fez.”

Berlusconi, magnata da comunicação e um dos homens mais ricos da Itália, tachou Veltroni de “senhor bravíssimo em comunicação”, que teria simulado um distanciamento dos comunistas, ao criar o Partido Democrático (PD), novo nome da aliança de centro-esquerda. Ao contrário de dois anos atrás, o líder comunista Fausto Bertinotti se lançou separado da aliança. “Esse PD não passa de uma tentativa de transformismo do Partido Comunista de sempre”, criticou Berlusconi, que também procura distanciar-se de figuras com alto grau de rejeição, como o separatista Umberto Bossi, da Liga do Norte, que exortou recentemente seus seguidores a “pegar em fuzis contra a canalha centralista romana”.

Berlusconi voltou a propor que os candidatos se submetessem a um “exame psiquiátrico”. “Não tenho problema em fazê-lo, porque sei quem eu sou: Silvio Berlusconi”, ironizou o candidato, arrancando risadas. “Já Veltroni deve ter algum problema, porque não lembra meu nome e continua a me chamar de ‘o principal expoente da outra legenda’, esqueceu que foi comunista e critica o governo como se fosse de oposição.”

Numa conversa com os leitores do jornal Corriere della Sera, Veltroni justificou ter aderido ao Partido Comunista por influência de personagens como os escritores Ítalo Calvino e Alberto Moravia e o cineasta Pier Paolo Pasolini. “Mas vivemos num tempo democrático, sem nenhuma das duas ditaduras, o fascismo e o comunismo”, sublinhou. Algumas das propostas de Veltroni são consideradas liberais, como o corte de 0,5% do PIB nos gastos públicos no primeiro ano de governo e de 2% no segundo e terceiro anos somados.

Diferentes pesquisas dão vantagem de 5 a 9 pontos porcentuais de Berlusconi sobre Veltroni, mas indicam também que um terço dos eleitores está indeciso. “Vão, e convertam o povo”, pediu Berlusconi à platéia, rindo da própria dramaticidade, enquanto alguns pingos de chuva começavam a cair. “Ah, já ia me esquecendo: está chovendo, governo ladrão!”

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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