Escândalo ameaça líderes britânicos

Ex-chefe de governo e ministros são acusados de violar diretrizes para vender armas ao Iraque

LONDRES – Na passagem para 1994, o mundo político da Grã-Bretanha ouve o tique-taque de uma bomba-relógio marcada para explodir em abril. Naquele mês, o juiz Richard Scott, da Corte Suprema, apresentará o resultado da investigação sobre a venda de componentes para armas ao Iraque, entre 1987 e agosto de 1990, às vésperas da invasão do Kuwait. A ex-primeira-ministra Margaret Thatcher, o atual, John Major, o chanceler Douglas Hurd e vários outros nomes do primeiro escalão estão no epicentro.

A imprensa mais séria do país prevê uma possível revisão do próprio sistema democrático britânico. No que é conhecido como a mais ampla conspiração contra o Parlamento e contra a opinião pública da Grã-Bretanha nas últimas quatro décadas, altos funcionários, ministros e muito provavelmente a então chefe de governo ignoraram sistematicamente diretrizes por eles mesmos anunciadas, para vender ao Iraque equipamentos avaliados em US$ 105 milhões.

As investigações começaram há um ano, com a absolvição de três executivos da indústria de maquinário Matrix Churchill. Eles eram acusados de ter enganado o governo afirmando que equipamentos vendidos ao Iraque seriam de uso civil.Os acusados argumentaram que tinham avisado o governo de que Saddam Hussein pretendia utilizar seu material em armas convencionais e nucleares.

Ao depor no caso, Alan Clark, ex-funcionário do segundo escalão da Indústria e Comércio e da Defesa, admitiu que esses ministérios, assim como o do Exterior, tinham consciência da aplicação militar do equipamento. Segundo Clark, depois do cessar-fogo de agosto de 1988, a prática passara a ser a de liberar a exportação ao Iraque de tudo o que tivesse uso ambíguo – civil e militar.

Na base dessa decisão estavam interesses não só comerciais, mas estratégicos: durante e depois da guerra de oito anos com o Irã, o Iraque era considerado mal menor diante do expansionismo fundamentalista iraniano. Além disso, contou Clark no Ministério da Defesa era apresentado um motivo peculiar: para proteger as fontes de informação da indústria bélica iraquiana, que revelaram aos agentes a utilização militar do material, era preciso seguir em frente com a exportação.

Em agosto de 1989, um documento do Departamento de Garantia de Crédito para Exportação assegurava a venda de material “destinado a uma fábrica de armas químicas” iraquiana. Mais tarde, os técnicos da ONU encontrariam nas ogivas químicas iraquianas componentes idênticos aos exportados pela Grã-Bretanha ao Egito, e que conselheiros militares advertiram que estavam sendo desviados para Bagdá.

Em junho de 1988, o parlamentar conservador Hal Miller advertiu o Ministério da Indústria e Comércio de que a fábrica Walter Somers produzia tubos metálicos destina dos a um “supercanhão” iraquiano.

Os três executivos da Matrix Churchill foram absolvidos em novembro de 1992, e o primeiro-ministro John Major, embora tenha sido chanceler em 1988 e ministro da Economia em 1990, não teve alternativa senão ordenar a investigação do papel do governo no caso.

Outros empresários não tiveram a mesma sorte. Quatro executivos de outra empresa, a Ordtec, foram condenados à prisão em regime aberto por fornecer à Jordânia o mesmo tipo de equipamento, sabendo que era destinado ao Iraque.

Dois deles eram agentes secretos, que disseram tê-lo comunicado ao governo. Dois membros do segundo escalão, no entanto, Peter Lilley e Kenneth Baker, bloquearam a divulgação de documentos do governo relacionados ao caso, alegando razões de segurança nacional. Durante o período em que o equipamento foi exportado, Thatcher afirmou várias vezes na Câmara dos Comuns que as diretrizes em relação ao Iraque continuavam de pé.

No dia 8, ela foi ao prédio do Ministério da Indústria e Comércio para se defender, na primeira vez em que alguém que ocupa ou ocupou a chefia do governo responde a um inquérito como esse. Além do questionário de cem perguntas que teve de prencher, a baronesa se submeteu a uma sessão de seis horas de interrogatório, em que negou saber dessas exportações. Thatcher disse que “somente as coisas realmente importantes” pousavam sobre sua mesa.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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