Ingleses aceitam cortes de salários

Com índice de desemprego tradicionalmente baixo, 340 pessoas perdem o emprego por dia na Grã-Bretanha

SWINDON, Inglaterra – A paciência de Andy esgotou-se. “Estou farto de ficar em casa”, diz o gerente médio da fábrica da Honda em Swindon, no oeste da Inglaterra. “Eu me sinto miserável o tempo inteiro, é uma tristeza.” Durante a semana, sua mulher sai para o trabalho, numa loja do bairro, a filha de 6 anos vai para a escola e a de 3, para a creche. Só Andy, de 34 anos, que não quis publicar seu sobrenome, fica em casa, desde fevereiro, quando entrou em férias coletivas. Segundo ele, a Honda informou que voltará ao trabalho em junho. “Férias, nunca mais”, suspira Andy.

Os que trabalham no chão de fábrica estão de braços cruzados desde dezembro, quando a produção parou. Dos 4.700 funcionários da empresa, 1.100 aderiram a um programa de demissão voluntária. A Honda negocia com o sindicato Unite um corte nos salários dos restantes, para evitar demissões. A Toyota e a Jaguar Land Rover já cortaram os salários de seus empregados em 10%, a partir de 1º de março. A BMW, que fabrica os painéis do Mini em Swindon, dispensou em fevereiro seus 850 trabalhadores temporários e terceirizados.

A produção de automóveis caiu 59% na Grã-Bretanha, em relação ao que era há um ano. No desespero de gerar caixa, as concessionárias estão vendendo carros por até 60% do preço de fábrica. Nos últimos 12 meses, a produção industrial diminuiu 14%.

A crise abala todos os setores. Os preços das casas caíram 27% em relação ao seu auge, em outubro de 2007. A IHS Global Insight, empresa de análise do mercado, prevê que os preços ainda cairão mais 15%; a GMO, sua concorrente, espera queda de mais 25%. O setor da construção encolheu 4,9% no último trimestre de 2008, em relação ao anterior, que já tinha diminuído 1,1%.

O pedreiro Alan Hitchcock já se resignou à perda de renda. Há seis semanas, ele reduziu a sua diária de £ 150 (R$ 484) para £ 100 (R$ 323). “Fiz isso depois de um mês sem fazer nada”, explica Hitchcock, de 61 anos, enquanto toma um chope em um pub de Swindon, na tarde fria de sábado. “Pelo menos agora trabalho dois, três dias por semana.” Ele diz que seu filho, um encanador de 22 anos, teve de aceitar corte de 20% do salário na firma onde trabalha.

Num país em que 340 pessoas perdem o emprego por dia, o corte do salário parece um remédio, ainda que amargo. Assim como nos Estados Unidos, os índices de desemprego são tradicionalmente baixos na Grã-Bretanha, graças à legislação trabalhista flexível, com encargos relativamente baixos, que encorajam as contratações.

Em um ano, o índice saltou de 5,2% para 6,5%. No último trimestre, subiu 0,5 ponto, o que equivale a 165 mil desempregados a mais – o maior aumento desde 1971. Desses, 138.400 começaram a procurar emprego agora, em parte como resultado da própria crise: alguém em casa perdeu o emprego, e saíram buscando para tentar ajudar no orçamento familiar. No total, 1,39 milhão de britânicos estão procurando trabalho. Os economistas acreditam que esse número ainda vai aumentar sensivelmente.

O governo lançou um plano de £ 500 milhões (R$ 1,6 bilhão) que oferece até £ 2.500 (R$ 8.075) para as empresas treinarem e contratarem pessoas desempregadas há mais de seis meses. Sindicatos patronais e de trabalhadores elogiaram a boa intenção do governo, mas explicaram que não é hora de pensar em contratações, e sim de preservar os empregos existentes. “Dentro de três meses é ainda mais difícil de imaginar que isso possa funcionar, com os empregadores lutando para sobreviver durante uma recessão”, disse John Cridland, vice-diretor geral das Câmaras Britânicas de Comércio.

O número de falências no primeiro trimestre deste ano foi 35% maior que no do ano passado, segundo levantamento da empresa Equifax. Desapareceram das “high streets”, as ruas principais dos bairros e cidades pequenas, marcas que faziam parte da paisagem urbana, como as redes Woolsworth e Zavvi. Instituição britânica, os pubs estão fechando ao ritmo de oito por semana – embora, além da crise, haja a proibição de fumar em todos os lugares fechados, que tem expulsado muitos de seus clientes.

Na Edgeware Road, avenida de comércio tradicional de imigrantes árabes e indianos, uma das duas lojas de luminárias A & H Bass está torrando seu estoque com 50% de desconto, antes de fechar as portas. O vendedor Mahul Shaah estima que o movimento tenha caído entre 30% e 40%. Hoje, o que a loja vende só dá para pagar o aluguel de £ 18 mil libras (R$ 58.140). “Há um ano, essa avenida era extremamente movimentada”, recorda Shaah. “Agora, está morta.”

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