O Brexit avança, a economia sente

THERESA MAY: ela obteve a expressiva votação de 494 a favor de 122 contra o Brexit da Câmara dos Comuns/ Toby Melville/ Reuters

Lourival Sant’Anna

O governo da primeira-ministra Theresa May superou mais um obstáculo na trepidante corrida da Grã-Bretanha para a porta de saída da União Europeia. A Câmara dos Comuns aprovou nesta quarta-feira, em terceira e última votação, a proposta do governo de acionar o Artigo 50 do Tratado de Lisboa, que prevê a inédita retirada de um membro do bloco. A proposta segue para a Câmara dos Lordes, que a analisará depois do fim de seu recesso, dia 20. Lá ela também enfrenta resistência, e se rejeitada retorna para os Comuns.

Depois de vencer uma rebelião dentro de seu próprio Partido Conservador, May obteve a expressiva votação de 494 a favor e 122 contra. A rebelião chegou a contar com 27 deputados conservadores favoráveis à manutenção do país no bloco europeu. No final, apenas um votou contra. A proposta do governo teve o apoio do Partido Trabalhista, de oposição. Embora tenha feito campanha a favor da manutenção do país na UE, no referendo de junho, o líder do partido, Jeremy Corbyn, considerou que a vontade da maioria (de 51,9% a 48,1%) deveria ser respeitada. Dos 231 trabalhistas, no entanto, 52 se rebelaram e votaram contra a proposta. Os conservadores têm a apertada maioria de 329 cadeiras, do total de 650 da Câmara dos Comuns.

Depois do referendo de junho, May havia interpretado que podia iniciar as negociações para a saída sem consultar o Parlamento. Mas no dia 24 de janeiro a Corte Suprema decidiu que a autorização do Parlamento era necessária.

Os deputados apresentaram mais de 140 páginas de emendas à proposta — que tem apenas 137 palavras. A principal preocupação dos deputados que resistiram a autorizar o governo a conduzir as negociações com a UE era garantir que o Parlamento pudesse intervir na conformação da nova relação comercial entre a Grã-Bretanha e o bloco europeu.

Durante o debate, May assegurou que seu governo submeterá às duas Casas do Parlamento o texto final do acordo, antes de ele ser apresentado ao Parlamento Europeu e firmado com a UE. “Não é hora de obstruir os desejos democraticamente expressos pelo povo britânico”, disse a primeira-ministra — que como secretária do Interior defendera a permanência na UE, mas depois de eleita primeira-ministra em julho se curvou à decisão da maioria. “É hora de iniciar a saída da União Europeia.” O bloco tem pressionado o governo britânico a apressar o processo: já que decidiram sair, que saiam logo, para a vida seguir adiante, é o raciocínio em Bruxelas.

A Câmara dos Lordes é composta por membros não-eleitos, que adquirem o título de nobreza por hereditariedade, pela hierarquia da Igreja Anglicana ou por concessão da rainha, que segue recomendações do primeiro-ministro. Sua composição é flexível. Hoje há 252 lordes conservadores, 203 trabalhistas, 178 sem partido definido e 102 liberais democratas. Suas posições são ainda mais difíceis de controlar, e há bastante resistência contra o Brexit entre eles. A Câmara dos Lordes tem duas opções: aprovar a proposta e enviá-la para a rainha sancionar ou apresentar emendas e mandar de volta para os deputados. O governo deseja estar pronto para acionar o Artigo 50 até o dia 31 de março.

O vácuo criado pelo Brexit começa finalmente a ter impacto sobre a economia britânica. A desaceleração econômica prevista para o segundo semestre do ano passado, como resultado do referendo, não se concretizou. O PIB britânico cresceu 2% em 2016 — mais do que qualquer outro país do G-7, que reúne as sete economias mais avançadas. O crescimento foi puxado pelo consumo familiar.

Entretanto, a desvalorização de 18% da libra frente ao dólar, a partir do referendo, tem puxado os preços dos produtos importados. Bebidas e cigarros, por exemplo, aumentaram 25% no último ano. A inflação anualizada atingiu 1,6% em janeiro. O Banco da Inglaterra prevê que chegará a 3% no fim deste ano. O Instituto Nacional de Pesquisa Econômica e Social, um centro de estudos independente, calcula o índice em 4% em 2017. Com isso, os britânicos, endividados no ano passado, estão mais preocupados em quitar suas dívidas do que assumir novas. De acordo com o Banco da Inglaterra, o crescimento novos créditos ao consumidor caíram de 1,9 bilhão de libras em novembro para 1 bilhão de libras em dezembro — apesar do Natal. O Banco Credit Suisse prevê que o consumo crescerá 0,7% neste ano, ante 2,8% em 2016. Pesquisa feita em novembro pelo Banco da Inglaterra com as 340 maiores empresas do Reino Unido revela que elas manterão o baixo nível de investimentos ou diminuirão, o que significa que não se pode esperar mais atividade econômica por essa outra ponta também.

A economia britânica está nas mãos de May — ou, mais precisamente, de seu secretário do Brexit, David Davis: depende do sucesso ou fracasso de sua negociação dos termos da saída do país da UE. O que os lordes podem fazer agora é o que os deputados finalmente decidiram nessa quarta-feira: não atrapalhar.

Publicado no app EXAME Hoje. Copyright: Grupo Abril. Todos os direitos reservados.

Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*