Prosperidade econômica sustenta poder político de presidente russo

População deve votar hoje em Medvedev, candidato de Putin, para garantir continuidade de políticas do governo

MOSCOU – O shopping subterrâneo Okhotni Rad (Fila de Caçadores), um dos maiores de Moscou, chama-se assim porque nesse lugar se trocavam peles e carnes por outras mercadorias na Idade Média. No século 17, o amplo mercado ganhou o nome de Krasnaya Ploshchad (Praça Bela, ou Vermelha, que em russo são a mesma palavra). Desde então, o lugar é considerado o centro da Rússia, em três sentidos: geográfico, econômico e político. Construído debaixo da Praça Vermelha, o shopping pode ser visto como um símbolo da prosperidade econômica sustentando o poder político. 

Na tarde de quinta-feira, os amplos corredores do Okhotni Rad pareciam estreitos demais para tanta gente. Na frente de uma vitrine, a empresária Angelika Volert, de 36 anos, examinava relógios de ouro da marca Omega. Como a grande maioria dos eleitores, segundo as pesquisas, Angelika ia votar no vice-primeiro-ministro Dmitri Medvedev na eleição presidencial de hoje. “Ele vai continuar a política do presidente (Vladimir) Putin”, justifica a empresária, que há dois anos abriu uma distribuidora de sucos e admite que está indo muito bem. “Putin para mim é um czar, um Deus.”

O vendedor Dmitri Novikovi, de 22 anos, não sabia se teria tempo para ir votar hoje. Mesmo sendo domingo, ele acreditava que teria de ficar atendendo os fregueses na loja de eletrônicos onde trabalha há dois anos e meio. “Nesse tempo, as vendas só têm melhorado”, festeja o jovem vendedor, diante de notebooks com preços similares aos do Brasil. “Tem muita gente com dinheiro e muita oferta de crédito.”

Nesses oito anos de governo de Putin (eleito em 2000 e reeleito em 2004), a economia russa cresceu em média 6,7%. No ano passado, o índice foi de 8,1%. Para este ano, o mercado estima um crescimento de 7,6%. Como resultado, o desemprego tem caído continuamente, atingindo o confortável patamar de 5,8% em janeiro. “A economia está em ótima forma”, atesta Tatiana Orlova, economista do ING Wholesale Bank, em Moscou.

Quando Putin assumiu, 30% dos russos estavam abaixo da linha de pobreza, ou seja, não ganhavam o suficiente para se manter. Hoje, essa cifra caiu para 10%, segundo Lev Gudkov, diretor do Levada Center, que faz pesquisas domiciliares mensais.

Na manhã gelada de segunda-feira, feriado na Rússia, o casal Ana e Maksim Kondratyev caminhava sobre a neve na Ulitsa Rabotchikh (Rua dos Trabalhadores), na pequena Borovsk, 60 quilômetros a sudoeste de Moscou. “Vou votar em Medvedev porque gosto de Putin”, disse Maksim, de 22 anos, que opera máquinas de carga na fábrica de peças de metal Vental, e ganha 15 mil rublos (US$ 416) por mês. “Não vivi a época comunista, não tenho como comparar, mas acho que a vida melhorou com Putin e espero que continue melhorando”, acrescentou Ana, de 16 anos, que deu à luz há dez meses e pretende fazer um curso técnico de contabilidade para trabalhar também.

Instalada no município vizinho de Balabanovo, a Vental é um exemplo dos novos tempos na Rússia. Em 1992, durante a desordenada liberalização econômica sob o governo de Boris Yeltsin, quatro engenheiros deixaram seus empregos públicos no Instituto de Pesquisas Tecnológicas de Obninsk, 100 quilômetros ao sul de Moscou, e abriram a fábrica, que chegou a fornecer peças para o ônibus espacial russo Buran. Criaram uma segunda fábrica em Obninsk, e acabam de vender parte do negócio a sócios finlandeses, para se capitalizar.

O boom econômico, que se reflete num crescimento de 13% no setor da construção civil e de 21% nos investimentos em bens de capital no ano passado, gera uma sensação de otimismo e de confiança que há muito os russos não experimentavam. Como resultado, a popularidade de Putin chega a 80% – exatamente o índice de intenção de voto de Medvedev, que o presidente, que não pode mais se reeleger, escolheu para ser o seu sucessor. Putin anunciou que será nomeado primeiro-ministro por Medvedev – e, portanto, continuará governando. O candidato do Partido Comunista, Gennady Zyuganov, segue num distante segundo lugar, com 11%, segundo pesquisa do Levada Center; o ultranacionalista Vladimir Zhirinovsky tem 9%, em números arredondados; o liberal Andrei Bogdanov não chega a 1%.

A prosperidade e estabilidade dos últimos anos contrastam vivamente com o caos dos anos 90, ainda muito fresco na memória dos russos. A família do físico nuclear Sergei Nikolaiev, de 47 anos, nunca mais comeu macarrão. No começo da década passada, depois que a União Soviética se desfez, era a única coisa que eles tinham para comer, além das batatas que plantavam no quintal de seu prédio em Obninsk. Os salários se atrasavam sete meses, assim como as aposentadorias, e o dinheiro perdeu completamente o valor.

Chefe do Laboratório de Pesquisa Aplicada da central nuclear de Obninsk, Nikolaiev lembra que ele e seus colegas recebiam o pagamento em vales-energia, que trocavam numa fábrica por papelão, que por sua vez trocavam por ovos numa granja (que com o papelão fazia caixas de ovos). Hoje, Nikolaiev, além do emprego, tem uma empresa de projetos de equipamentos nucleares.

“Hoje em dia há muito mais perspectivas para os jovens do que na minha geração”, diz sua mulher, a microbióloga Maria Abramova, também de 47 anos, que trabalha no Instituto de Pesquisas Oncológicas de Obninsk, com substâncias da cartilagem de tubarão que podem prevenir o câncer. “Putin conseguiu corrigir os erros cometidos pelos governos anteriores.”

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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