Sucessor prima pela discrição

Medvedev foi escolhido por Putin para sucedê-lo por não fazer o mínimo esforço para chamar a atenção

MOSCOU – O anúncio de Dmitri Medvedev como successor do presidente Vladimir Putin, no dia 10 de dezembro, foi antecedido por uma surda disputa entre ele e outro vice-primeiro-ministro, Sergei Ivanov. Ambos vinham acompanhando o presidente em viagens internacionais, numa espécie de road-show para apresentá-los ao mundo e testar suas habilidades. A disputa, no entanto, era para ver quem se destacava menos. Ivanov, ex-ministro da Defesa e um pouco mais afoito no seu desejo pelo cargo, perdeu.

Medvedev, nessas viagens, chamou atenção pelo seu esforço em não chamar a atenção. O discreto advogado e ex-executivo de empresas privadas, que trabalha com Putin há 17 anos, passou no teste ao provar que, no futuro visível, não tem pretensão de fazer sombra ao chefe. Depois de sua eleição como presidente, tida hoje como certa, Medvedev obedientemente nomeará Putin primeiro-ministro, como se encarregou de antecipar o próprio Putin. E pela primeira vez o primeiro-ministro mandará mais do que o presidente.

“Os eleitores russos percebem a manipulação, mas isso não os incomoda”, analisa Lev Gudkov, do Levada Center. “Ao contrário, é isso mesmo que eles querem: a garantia da continuidade.” Se Medvedev imprimirá a sua marca, ou se se anulará, à espera de que Putin, hoje com 55 anos, possa candidatar-se de novo a presidente, na eleição de 2012, é uma incógnita. “É muito cedo para dizer”, considera Masha Lipman, do Carnegie Endowment.

Medvedev, de 42 anos, tem reputação de bom gestor – que Putin sublinhou, na quinta-feira, num evento no Kremlin, generosamente coberto pelas emissoras de TV. Desde 2006, ele coordena a execução de quatro programas nacionais de governo, nas áreas de educação, saúde, moradia e agricultura, cujos resultados foram apresentados na semana passada. Seu programa de governo está centrado no que ele chama de “quatro Is”: instituições, infra-estrutura, inovação e investimentos.

O mercado o considera um dos mais liberais integrantes do governo Putin – no qual o Estado aumentou de tamanho, e os setores mais rentáveis, como petróleo e gás, seguiram sob sua rígida tutela. Medvedev, por sinal, é presidente do conselho da Gazprom, a gigante do gás controlada pelo Estado. Na semana passada, no entanto, ele criticou a presença de membros do governo em conselhos de empresas, dando a entender que poderia mudar essa prática.

Nascido em São Petersburgo (como Putin), filho de professores universitários, Medvedev se formou em direito na Universidade Estatal de Leningrado (o nome da cidade na época soviética) em 1987, e em 1990 defendeu doutorado em direito privado. Entre 1991 e 1996, ao mesmo tempo em que trabalhava em empresas privadas e dava aula, Medvedev prestou assessoria jurídica ao Comitê de Relações Externas da prefeitura de São Petersburgo, chefiado por Putin. Na época, o prefeito da cidade era Anatoly Sobchak, que havia sido professor de Putin na universidade.

Em 1996, Sobchak perdeu a disputa à reeleição e Putin deixou a prefeitura e veio para Moscou, convidado para ser o subchefe do Departamento de Gestão da Propriedade Presidencial. No ano seguinte, o então presidente Boris Yeltsin nomeou Putin subchefe de gabinete e, em 1998, diretor do FSB, o serviço secreto russo, do qual Putin tinha sido agente, quando ainda se chamava KGB. Em dezembro de 1999, quando Putin, já no cargo de primeiro-ministro, assumiu a presidência, trouxe vários ex-colegas de São Petersburgo, incluindo Medvedev, que se tornou seu subchefe de gabinete.

Em 2000, Medvedev chefiou a campanha presidencial vitoriosa de Putin e, em 2005, já no segundo mandato do presidente, foi nomeado vice-primeiro-ministro, vice-presidente do Conselho de Implementação dos Projetos de Prioridade Nacional e presidente do Presidium (conselho de governo).

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