Vitória comunista empurraria Leste para Otan

Seria a única proteção para a Europa Oriental contra o expansionismo de Moscou, diz jornalista russo

Uma eventual vitória comunista na eleição presidencial russa pode reverter o atual quadro de distensão mundial, não de maneira direta, mas por uma série de desdobramentos. A eleição de Guennadi Zyuganov, o nostálgico defensor de uma Rússia – ou mesmo de uma União Soviética ressuscitada – de novo hegemônica no Leste tornaria urgente a adesão dos países da Europa Oriental à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), como única proteção possível contra o perigo do expansionismo de Moscou.

É dessa forma que o professor Anatoli Sosnovski, especialista em política externa e editor de Internacional do Canal 1 da TV russa, analisa o ponto de partida da mudança no cenário estratégico se Zyuganov derrotar o presidente Boris Yeltsin.

“A atitude de campanha é muito diferente da realidade de governo”, adverte o analista, falando ao Estado, de Moscou. “É fácil falar em recuperar o papel de superpotência, mas o fato é que a Rússia não tem condições econômicas de assumir um papel militar mais preponderante do que o atual.”

Assim, a mudança seria mais na percepção dos vizinhos da Rússia no Leste Europeu do que uma revitalização substancial do poderio bélico. “Se por um lado a política externa tem de levar em conta o quadro real de correlação de forças no mundo, por outro, um eventual governo nacionalista terá de alguma maneira de corresponder ao voto de protesto e atender a expectativas criadas durante a campanha”, reconhece Sosnovski. “Mas a Rússia não pode arcar com as conseqüências de provocar inimigos.”

Cada candidato procura à sua maneira conquistar o apoio dos militares. Yeltsin anunciou para o ano 2000 a profissionalização do Exército, que implica sua modernização e salários compatíveis. “Não há dinheiro para isso e não creio que em tão pouco tempo se conseguirá alcançar esse objetivo”, diz o jornalista russo. Zyuganov e o ultranacionalista Vladimir Jirinovski acenam com o retorno ao status de superpotência, enquanto o general Alexander Lebed tenta personificar os anseios de valorização dos militares.

O jornalista acha que o voto dos militares se dividirá entre Yeltsin e Zyuganov, os dois candidatos com chances reais. Jirinovski não está sendo levado a sério e Lebed se indispôs com muitos militares ao violar a ética, fazendo críticas ao governo quando ainda estava na ativa. A insatisfação, no entanto, é evidente. O atraso no pagamento dos soldos, hiperdefasados, tem levado muitos soldados a pedir esmola e a se alimentar das rações de emergência dos quartéis.

Na semana passada, o atual governo tornou mais clara sua posição acerca da expansão da Otan rumo ao Leste, tema central da geopolítica russa. Durante a reunião da Otan em Berlim, o chanceler russo, Yevgeni Primakov, disse que Moscou não oporá resistência à integração de países do Leste Europeu à aliança atlântica, desde que ela não signifique o deslocamento de forças para perto das fronteiras russas.

A declaração coincidiu com uma decisão importante da Otan, modificando a estrutura de comando e de operações da aliança para dar maior autonomia aos seus integrantes europeus. A decisão reflete justamente a distensão com a Rússia do pós-guerra fria, que tornou o envolvimento direto dos EUA menos crucial e criou demandas mais localizadas de segurança para a Europa.

Aqui, mais uma vez, a ênfase na percepção é maior do que em mudanças concretas, pelo menos na análise do especialista Terrence Taylor, diretor-assistente do Instituto Internacional para Estudos Estratégicos (IIEE), de Londres. “Não podemos superestimar a capacidade operacional das forças européias”, disse Taylor ao Estado. “É muito pouco o que os europeus podem fazer sem os americanos.”

Taylor cita a Bósnia como exemplo, uma operação de envergadura, com 60 mil homens, que exigiu grande engajamento americano. Só os EUA possuem o necessário equipamento de inteligência, comunicação e transporte e o pessoal para operá-lo. O especialista admite no entanto que com a retirada dos 20 mil soldados americanos, prevista para o final deste ano, pode ser que se configure pela primeira vez uma grande iniciativa militar predominantemente européia, já nos novos moldes da força-tarefa combinada. “Vamos ver”, espera Taylor.

De qualquer forma, a remodelação da Otan deve ser bem recebida pelos russos, que “encararão a maior independência européia como um enfraquecimento do vínculo atlântico, ou seja, da presença militar americana na Europa. Outro fator de distensão realçado pelo especialista do IIEE é a cooperação na troca de informações entre a Rússia e a Otan, pelo programa Parceria para a Paz. “Uma vitória comunista poderia levar a Rússia a se distanciar temporariamente”, prevê Taylor. “Mas, no decorrer do tempo, eles tenderiam a voltar, atraídos pelos beneficios genuínos da cooperação.”

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