Ex-premiê pede votos e prisão de líder deposto

Frágil e em uma cadeira de rodas, política faz discurso abrasivo na Praça da Independência logo após sair da prisão, onde ficou 2 anos

KIEV – A fragilidade da figura de Yulia Tymoshenko, que entrou no palanque da Praça da Independência em uma cadeira de rodas, e a sua voz trêmula cortando o ar frio e úmido do inverno de Kiev, contrastaram fortemente com o conteúdo abrasivo do seu discurso. Vindo diretamente da prisão, onde estava confinada desde 2011, Yulia trouxe uma mensagem carregada de fúria.

“Não vão embora desta praça enquanto esse processo não tiver terminado, até que Yanukovich e todos os responsáveis pelas mortes de manifestantes sejam presos, e vocês tenham certeza de que poderão escolher um líder no qual confiem”, pediu ela. “Yanukovich precisa vir aqui a esse palanque para ser julgado, e para sentir a responsabilidade pelo que ele fez.” Era o contrário do que outro líder da oposição, Vitali Klitschko, havia dito algumas horas antes. Em um discurso conciliatório, recebido com vaias e críticas na praça, o deputado e líder do Partido Udar (Soco) recomendou que os ucranianos não buscassem vingança. O ex-campeão mundial de boxe se mostrou mais suave que a mulher de 53 anos, debilitada por um problema nas costas e por uma greve de fome depois de ter sido agredida na prisão.

“A partir de agora, eu me dedicarei a garantir que essa punição ocorra”, prometeu ela. “Tudo o que se conseguiu até aqui foi graças a vocês, não aos partidos.” Yulia dedicou boa parte do discurso aos cerca de 100 manifestantes mortos, a maioria deles nesta semana. “Isso poderia ter sido alcançado sem mortes, de forma pacífica”, acrescentou ela, insinuando que, se tivesse sido eleita em 2010, nada disso teria sido necessário. Apesar desse discurso moldado para agradar, muitos manifestantes começaram a sair logo que ela começou a falar. Depois de a multidão de dezenas de milhares de pessoas fazer silêncio para ouvir o que Yulia tinha a dizer, alguns começaram a gritar: “Pare! Suas palavras valem tanto quanto água”, levando Yulia a interromper por alguns instantes seu discurso, e a encerrá-lo rapidamente. Foi mais um sinal do descrédito dos políticos tradicionais, expresso pelos manifestantes na praça – e também fora dela – nos últimos dias.

Yulia, assim como Klitschko, certamente concorrerá na eleição presidencial marcada para 25 de maio, e é provável que a ex-primeira-ministra e candidata em 2010 lidere a disputa. Muitos manifestantes votaram em Yulia em 2010. Uma imensa foto dela colocada em uma árvore de Natal domina a praça. Mas a ex-primeira-ministra terá de enfrentar o ceticismo e os questionamentos de boa parte dos ucranianos.

Em 2011, ela foi condenada a sete anos de prisão, acusada de abuso de poder e desvio de dinheiro, em contratos de fornecimento de gás com a estatal russa Gazprom.

O desgaste dos políticos tradicionais se aprofundou com o acordo firmado entre os principais partidos de oposição – incluindo o Pátria, de Yulia – e Yanukovich, na sexta-feira. O acordo foi considerado uma “traição” ao movimento pelos manifestantes, que não aceitavam menos do que a saída imediata do presidente.

Era praticamente impossível mover-se na praça, de tão cheia. O ambiente era muito emotivo. Durante o dia todo, desfilaram caixões dos manifestantes mortos em confronto com a polícia e por disparos de franco-atiradores. Padres ortodoxos ucranianos e católicos gregos – que seguem rito similar – rezaram missas para os mortos, saudados com gritos de “glória aos heróis”. Fotografias dos mortos eram exibidas em um telão, e seus nomes, lidos ao microfone no palanque. “Obrigado”, gritava a multidão.

Em vários pontos da praça, existem marcas de sangue nos locais onde manifestantes foram mortos, assinalados com velas e flores. Muitos traziam velas, em homenagem aos mortos, e algumas pessoas choravam.

As barricadas de pneus, ladrilhos arrancados das ruas e objetos de todos os tipos continuam erguidas ao redor. As barracas nas quais os manifestantes dormem ou que distribuem sanduíches, chás e cafés continuam de pé. A sensação era a de que os manifestantes venceram a mais difícil batalha, mas que ainda terão de se manter mobilizados para alcançar seus objetivos.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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