Egito deve se polarizar entre seculares e islâmicos

Pela primeira vez em seis décadas, o Egito realiza nesta quarta e quinta-feira uma eleição presidencial cujo resultado está em aberto. Desde que os militares derrubaram o rei Faruk e tomaram o poder em 1952, as eleições têm sido um jogo de cartas marcadas.

Os principais candidatos são Amr Mussa, ex-ministro das Relações Exteriores e ex-secretário-geral da Liga Árabe; Ahmed Shafiq, o último primeiro-ministro do ex-presidente Hosni Mubarak, deposto em fevereiro do ano passado; Mohamed Mursi, da Irmandade Muçulmana, o principal partido no Parlamento; Abdel Moneim Abul Fotouh, que deixou a Irmandade para concorrer como independente; e Hamdeen Sabbahi, um populista que se diz inspirado no coronel Gamal Abdel Nasser, líder do movimento militar dos anos 50 e presidente entre 1956 e 1970.

É provável que nenhum dos candidatos atinja metade dos votos mais um, e que a decisão vá para um segundo turno, nos dias 16 e 17 de junho. Então o Egito deverá polarizar-se entre os “liberais”, como são chamados os que separam religião de política – a palavra “secular” não é socialmente aceita nos países muçulmanos, por ser interpretada como “ateu” -, de um lado, e conservadores islâmicos, de outro. Nas eleições parlamentares realizadas entre novembro do ano passado e janeiro deste ano, os islâmicos, representados pela Irmandade Muçulmana e pelo partido salafista (radical) Al-Nur (“A Luz”), arrebataram juntos dois terços das cadeiras.

Mas a incerteza sobre a eleição presidencial não se restringe ao resultado. A questão mais importante é anterior: que poderes o presidente terá para governar, ou qual o grau de autonomia que os militares lhe concederão. Formalmente, a junta militar no poder desde a queda de Mubarak em fevereiro do ano passado promete entregar o governo a um poder civil até o dia 1˚ de julho – depois de exercer estreita tutela sobre os gabinetes civis por ela nomeados nos últimos 15 meses.

Mas os militares têm deixado claro, tanto por essa tutela quanto em um esboço de Constituição que encomendaram a um grupo de juristas no ano passado, o seu desejo de preservar amplas fatias de poder, principalmente nos temas que se referem diretamente a eles, como  o orçamento de defesa, a nomeação de comandantes das Forças Armadas e a capacidade de declarar guerra.

As relações entre o presidente e o Parlamento também não estão claras, por exemplo no que tange às prerrogativas vitais de o chefe do Executivo dissolver o Legislativo e de os parlamentares o destituírem do cargo. O trabalho de redação de uma nova Constituição pelo Parlamento recém-eleito, que foi investido de poderes constitucionais, foi interrompido em abril pela falta de acordos básicos entre os liberais e os islâmicos.  Deve ser retomada depois da eleição presidencial.

Os egípcios se queixam de que seu processo de transição tem sido ao revés – deveriam primeiro definir as regras do jogo, com uma nova Constituição, para depois realizar eleições para o Parlamento e para presidente. À medida que o tempo passa, vai ficando evidente o preço alto dessa inversão.

Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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