Eleição no Egito consolida Irmandade e aglutina seculares

O resultado do primeiro turno da eleição presidencial no Egito, anunciado ontem, consolida o domínio da Irmandade Muçulmana sobre a política egípcia e aglutina as forças seculares, em sua polarização contra os conservadores islâmicos, ao redor de um ex-integrante do primeiro time da ditadura de Hosni Mubarak, deposto em fevereiro do ano passado. E tudo isso envolto na insegurança jurídica e institucional que predomina na política egípcia desde que a junta militar assumiu o poder, há 15 meses.

O ex-engenheiro da Nasa Mohamed Morsi, candidato do Partido Liberdade e Justiça, pertencente à Irmandade Muçulmana, saiu na frente no primeiro turno, realizado nos dias 23 e 24, com 24,77% dos votos válidos, seguido muito de perto por Ahmed Shafiq, que foi primeiro-ministro de Mubarak, com 23,66%. A diferença entre os dois foi de apenas 260 mil votos – 5,76 milhões para Morsi e 5,50 milhões para Shafiq. Em terceiro, com 20,71%, veio o nacionalista Hamdeen Sabahi, cujo nome cresceu durante a campanha evocando a imagem do coronel Gamal Abdel Nasser, o líder do movimento que depôs o rei Faruq em 1952, dando início ao ciclo de governos militares que chegou ao fim com a queda de Mubarak.

Dos 50 milhões de eleitores, apenas 46% compareceram, numa expressão do desalento que ainda perdura entre os egípcios, depois de décadas de eleições presidenciais com cartas marcadas – e das incertezas sobre as reais prerrogativas do primeiro presidente egípcio eleito democraticamente.

As negociações sobre uma nova Constituição, que definirá as relações entre o presidente civil e o comando das Forças Armadas, e entre o Executivo e o Legislativo, foram interrompidas em abril no Parlamento, por falta de acordo entre conservadores islâmicos e liberais. Nas eleições parlamentares realizadas entre novembro e janeiro, a Irmandade Muçulmana e o partido salafista (ultraconservador) Al-Nur obtiveram dois terços das cadeiras tanto na Câmara quanto no Senado.

A própria candidatura de Shafiq, como Mubarak um ex-oficial da Força Aérea, corre risco de ser impugnada. Uma lei aprovada pelo Parlamento dominado pelos conservadores muçulmanos impede ex-integrantes do governo deposto de concorrer à presidência. A Comissão Eleitoral, dirigida por Faruq Sultan, ele mesmo nomeado por Mubarak, permitiu que a candidatura de Shafiq seguisse adiante, enquanto o pedido não é julgado pelo Supremo Tribunal Constitucional (STC). “Quando o STC tomar sua decisão, a lei será cumprida”, disse ontem Sultan, um pouco enigmaticamente, ao anunciar os resultados. Sultan é membro do STC emprestado à Comissão Eleitoral. Os egípcios ainda têm um longo caminho a percorrer, até desembaraçar-se do seu passado recente.

A impugnação de Shafiq  poderia levar à realização de novas eleições, na interpretação de políticos e analistas. Alheios à insegurança jurídica, os dois primeiros colocados lançaram-se à curta campanha para o segundo turno, previsto para os dias 16 e 17. Na disputa pelo grande contingente de eleitores situados entre os dois extremos que eles representam, tanto Morsi quanto Shafiq moderaram seus discursos. O ex-primeiro-ministro estampou com orgulho na campanha do primeiro turno suas origens na ditadura militar de Mubarak, que ficou no poder durante 30 anos. Morsi, por sua vez, em comícios nos redutos mais conservadores, defendeu abertamente a adoção da Sharia, o código islâmico, num país em que 10% da população é cristã, e uma fatia expressiva dos muçulmanos é liberal e defende a separação entre política e religião.

Ambos agora defendem a união nacional e a tomada de decisões com base no consenso, de olho nos 12,4 milhões de eleitores que não votaram neles, e que decidirão a eleição dentro de menos de três semanas.

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