Jornais e TVs são o novo front no Egito

Para conquistar apoio da maioria silenciosa, mídia estatal e veículos ligados à oposição travam batalha de versões sobre a crise

CAIRO – Cerca de 20 tanques e dezenas de soldados do Exército protegem a frente do edifício redondo da rádio e TV estatal, na beira do Rio Nilo, a menos de 1 km da Praça Tahrir. Ao lado, o prédio do Ministério das Relações Exteriores parece bem menos vital para o regime: “apenas” seis tanques. No começo dos protestos, dia 25, os manifestantes tentaram tomar a TV – um alvo clássico nas insurreições. E falam em tentar de novo. A guerra no Egito se luta com slogans, pedras, jatos d’água, gás lacrimogêneo e munição real, mas é também uma guerra de informação.

O Estado possui nove canais de TV – um para cada província, mas todos captados em todo o país – e um número equivalente de emissoras de rádio. Não existe canal privado de TV aberta. Mas elas estão nas frequências captadas com antena parabólica – que custa cerca de 500 libras egípcias (US$ 83) e muitos egípcios têm. Não é preciso pagar assinatura. A entrevista dada na segunda-feira a um deles, a Dream TV, pelo diretor de Marketing do Google para o Oriente Médio, Wael Ghonim, preso durante 12 dias, serve de combustível novo para as manifestações na praça.

Dos seis principais jornais do país, três pertencem ao governo – Al-Ahram (A Pirâmide) e Al-Akhbar (A Notícia) e Al-Gomhouria (A República) – e três são independentes – Al-Masry al-Youm (O Egito Hoje), Al-Dustour (A Constituição) e Al-Shorouk (O Amanhecer). Suas manchetes de ontem dizem tudo sobre suas tendências. Al-Ahram e Al-Akhbar saíram com títulos praticamente iguais, citando uma declaração do vice-presidente Omar Suleiman: “Negociações ou insurreição”, acrescentando nos subtítulos: “A primeira nos tira da crise; a segunda é imprevisível, e queremos evitar.”

Já o Al-Masry al-Youm destacou: “Praça Tahrir lotada; manifestantes cercam o Parlamento”. O subtítulo diz: “Formado comitê para supervisionar mudanças na Constituição.” A manchete do Al-Dustour foi: “Impedido de entrar no prédio do Conselho de Ministros, primeiro-ministro Ahmed Shafiq sai do Parlamento disfarçado.”

E há as emissoras de TV internacionais e os sites de notícias na internet. A escolha da fonte de informação define a posição de cada egípcio no conflito.

“Eu me informo pelos sites da BBC, da CNN e das agências internacionais de notícias, e pela TV Al-Jazeera (do Catar)”, conta o estudante de engenharia Mohamed el-Zaieri, de 20 anos, que apoia as manifestações na Praça Tahrir. “Não dou atenção à TV estatal.” Ele diz que o custo mensal da conexão de internet não é um problema: 30 libras egípcias (US$ 5), e um computador top de linha sai por US$ 500 no Egito, cujo imposto de importação é baixo.

Já Nadia Abdel Moty, de 55 anos, afirma que assiste à TV estatal “o tempo todo”, e acredita “em tudo o que ela diz”. Dona de uma loja de roupas populares num mercado no centro do Cairo, ela que prefere destinar o dinheiro que custa um jornal – 1,25 libra egípcia (US$ 0,21) – a “coisas mais importantes, como pão”. Além do noticiário, Nadia gosta de assistir às novelas na TV, mas ficou chocada com a última, “Zohra”, sobre uma mulher que se casou cinco vezes e “não se vestia de forma apropriada”. A comerciante acha que o governo já fez muitas concessões e os manifestantes devem voltar para casa.

Magdi el-Prince, de 57 anos, dono de uma boutique de roupas femininas, pensa o contrário: “Não podemos desistir agora. Mudanças só ocorrem uma vez na vida. Estou muito feliz porque os jovens fizeram o que minha geração nunca conseguiu fazer.” Ele lia o Al-Akhbar na manhã de ontem, mas disse que o jornal do governo “só traz mentiras”, e que se informa principalmente pelo canal de TV saudita Al-Arabiya, preferido por muitos que consideram que a Al-Jazeera se tornou tendenciosa demais em favor da oposição.

Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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