Junta egípcia promete passar poder a civis e garante acordos com Israel

Conselho militar tranquiliza população e comunidade internacional; alguns ex-ministros são proibidos de deixar o país sem autorização

CAIRO – O comando das Forças Armadas do Egito divulgou ontem um comunicado reafirmando seu compromisso de realizar a transição para um governo civil eleito democraticamente. O comunicado diz também que o Conselho Supremo das Forças Armadas – a quem o presidente Hosni Mubarak entregou o poder na sexta-feira – pediu ao gabinete que continue administrando o país até que um novo governo de transição seja formado.

O Conselho proibiu a saída do país de autoridades do antigo governo sem sua autorização. Vários ex-ministros, incluindo o do Interior, Habib El-Adly, e membros do Partido Nacional Democrático, do governo, como o bilionário Ahmed Ezz, estão sendo investigados por corrupção e abuso de autoridade.

O paradeiro do próprio Mubarak parecia incerto ontem. Na sexta-feira, um funcionário do partido informou que ele tinha ido com a mulher, Suzanne, para Sharm El-Sheikh, um balneário egípcio no Mar Vermelho. Mas ontem havia rumores de que ele teria ido para o Golfo Pérsico ou para a Europa. Seu filho, Gamal, que supostamente estava sendo preparado para sucedê-lo antes de os protestos eclodirem no dia 25, parece estar em Londres, onde a família tem negócios. Mubarak e os filhos são acusados de terem desviado US$ 70 bilhões em dinheiro público. Virtualmente todo negócio importante no Egito tinha de passar pela família.

O Exército mudou ontem o início do toque de recolher, das 20 horas para a meia-noite, indo até as 6 horas do dia seguinte. Os militares começaram a remover as barreiras que fechavam os acessos à Praça Tahrir, epicentro da revolta que derrubou o presidente, no poder havia 30 anos. Voluntários recolhiam o lixo e retiravam as tendas em que milhares de manifestantes acamparam durante os 18 dias de protestos.

Mas milhares de pessoas ainda permaneciam ontem na praça. A maior parte celebrava a “vitória da revolução”, para uma parte disse que continuaria lá para ver se os militares cumpririam realmente a sua promessa. “Estamos aqui para ver se vai haver mesmo mudanças”, disse Khaled Salah, de 22 anos, dono de uma pequena loja de celulares, fechada desde o dia 25. “Tenho medo de que sejam só palavras, e não mudanças de fato.”

Fawzy Gohar, de 22 anos, estudante de comércio na Universidade Zagazig, disse que continuará na praça porque não quer que os militares continuem governando o país, que desde a revolução de 1952 que derrubou a monarquia tem tido presidentes militares. “Gosto de Amr Moussa”, declarou Gohar, referindo-se ao ex-chanceler de Mubarak e secretário-geral da Liga Árabe, que apoiou os protestos contra o regime desde o começo.

“Estou muito feliz”, disse Mourade Bibras, de 23 anos, estudante de pedagogia na Universidade Ain Shams, que comemorava a queda de Mubarak usando uma camiseta da seleção brasileira. “Nós confiamos no Exército, mas vamos continuar na praça para garantir que sejam adotadas as medidas para melhorar a economia e a educação.” Depois de 18 dias em que os egípcios de diferentes classes sociais e filiações ideológicas se sentiram unidos, muitos pareciam resistir à ideia de voltar a suas vidas de antes. Muitos queriam simplesmente saborear um pouco mais a “revolução”, cientes de que o feito das últimas semanas não se repetirá para as gerações atuais.

Todos os líderes e analistas políticos ouvidos pelo Estado disseram acreditar que as Forças Armadas farão a transição democrática, e que não há sinais de divisão na cúpula militar.

“Eu confio no Exército”, disse Abdel Haleem Kandeel, dirigente do movimento pró-democracia Kefaya (Basta!), fundado em 2004. “O comando se mantém sempre unido e se move em bloco, seja quando apoiou Mubarak, quando retirou o apoio e agora na transição.” De acordo com Ayman Nour, líder do partido de oposição Al-Ghad (O Amanhã), que enfrentou Mubarak na última eleição presidencial, em 2005, e depois ficou quatro anos presos, os comandantes estão unidos em torno do ministro da Defesa, marechal Mohamed Hussein Tantawi, que chefia o Conselho Supremo das Forças Armadas.

Mais do que palavras, o gesto mais eloquente de respeito ao movimento pró-democracia partiu do comandante das Forças Armadas, general Sami Adnan, durante a leitura do comunicado na noite de sexta-feira, em que o Conselho Supremo assumiu os poderes deixados pelo presidente. Adnan bateu continência para o “espírito daqueles que se martirizaram, que sacrificaram suas almas pela liberdade e pela segurança de seu país”, dando a entender que os militares e os manifestantes estavam do mesmo lado.

Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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