Coalizão começa a aplicar ‘zona de exclusão terrestre’ na Líbia

Bombardeios tentam romper o cerco de tanques e artilharia de Kadafi a cidades controladas por rebeldes

BENGHAZI – A intervenção das forças da coalizão entrou em nova fase. Uma vez neutralizados os aviões, baterias antiaéreas e sistemas de radar do regime de Muamar Kadafi, a operação evoluiu de zona de exclusão aérea (no-fly zone) para terrestre (no-drive zone). Os bombardeios se concentram em desfazer o cerco de tanques e de baterias de foguetes do regime em torno das cidades controladas pelos rebeldes e em cortar as linhas de suprimento das forças leais a Kadafi.

Enquanto continuavam disparando mísseis contra alvos militares em Trípoli, os aliados estenderam as operações para os arredores de Misrata, a terceira cidade do país, com 450 mil habitantes, e também para as cidades que dão acesso a Zintan, 120 km ao sul da capital, e Ajdabiya, 160 km a oeste de Benghazi, a “capital rebelde”. Essas são as três cidades mais castigadas pela artilharia de Kadafi, que as deixou semidestruídas, sem água nem eletricidade. Até os hospitais foram alvejados. Moradores de Misrata disseram ontem que os tanques e foguetes tinham parado de atacar a cidade, mas franco-atiradores continuavam atuando.

A intervenção começou no sábado com o bombardeio, por caças franceses, de um comboio que avançava contra Benghazi. Era uma espécie de emergência. Depois disso, passou a concentrar-se na proteção do espaço aéreo. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) assumiu ontem o comando dessa missão. O bombardeio das forças terrestres continua a cargo da coalizão, sob comando dos Estados Unidos.

Aparentemente os bombardeios das forças da coalizão serviram de cobertura para os combatentes rebeldes. O coronel aviador Ahmed Omar Bani, novo porta-voz do comando militar rebelde, afirmou que 22 dos 39 tanques que cercavam Misrata foram destruídos com granadas propelidas por foguetes (RPGs). Reafirmando que os rebeldes não querem a presença de tropas estrangeiras, ele fez um apelo para que as potências aliadas lhes forneçam armas. O Estado perguntou ao coronel que tipo de armamento encabeçava sua lista de pedidos. “Estamos enfrentando tanques (russos) T-72 e T-92”, respondeu ele. “Então precisamos de artilharia contra esse tipo de tanques.”

Bani disse que Zintan, de 50 mil habitantes, foi completamente cercada pelas kataeb, as brigadas de elite do regime. “Eles nos atacaram pelo lado que pensaram ser o mais vulnerável, mas os derrotamos e os fizemos recuar 39 km.” O porta-voz – o primeiro oficial da ativa a falar em nome dos militares rebeldes – acrescentou que 120 soldados e mercenários foram mortos e 50 presos. Do lado rebelde, seis foram mortos e oito gravemente feridos. Quatro tanques foram destruídos e outros três capturados, assim como dois caminhões com baterias de foguetes Grad, um de transporte de tropas e quatro caminhonetes Land Cruiser com peças de artilharia de 14,5 mm montadas sobre as carrocerias.

Em Ajdabiya, houve uma “batalha feroz” entre os combatentes e os soldados leais a Kadafi, que conseguiram entrar com 15 caminhonetes na cidade sob disputa mais próxima de Benghazi, afirmou o coronel. Ele disse que as kataeb estão lutando com a munição que levaram para lá, já que as linhas de suprimento foram cortadas pelos bombardeios aliados, e acrescentou que estavam tentando negociar, por intermédio de um clérigo, a rendição dessas brigadas de Kadafi em Ajdabiya. “Temos certeza de que eles perderam o contato com o comando deles.” Bani declarou que alguns soldados inimigos haviam pedido para voltar para Sirt, cidade natal de Kadafi e reduto de seu clã. “Não podemos deixá-los ir sem interrogá-los, porque suas respostas podem salvar muitas vidas.”

Ele contou também que as forças aliadas alvejaram com um míssil um avião no aeroporto de Kufra, no sudeste do país. Segundo ele, o avião ia decolar com soldados e uma “pessoa importante”. Bani não soube dar mais detalhes, mas acrescentou que a prioridade da coalizão agora deveria ser neutralizar as forças de Kadafi em Kufra, porque é um “ponto de encontro” de mercenários vindo do Chade.

À pergunta sobre por que ele era o primeiro oficial da ativa que falava em nome dos militares rebeldes, depois de um mês de rebelião, e sobre a ausência das forças regulares nos campos de batalha, o coronel respondeu: “Não havia Forças Armadas antes. Enquanto Kadafi fortalecia suas brigadas de elite, destruía as Forças Armadas. Mas de agora em diante se Deus quiser a ideia é criar novas Forças Armadas, com nova doutrina e moral.” Ele estima que levará um mês para treinar novos soldados.

O coronel afirmou ter evidências de que os corpos de civis exibidos pela TV estatal como tendo sido mortos nos bombardeios da coalizão são de rebeldes retirados pelas forças do governo dos campos de batalha. Depois de cinco dias consecutivos de bombardeios, a TV estatal exibiu ao vivo os funerais de 33 pessoas descritas como vítimas de um ataque aéreo. A TV mostrou também imagens de incêndios, e de corpos e veículos queimados.

Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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