‘Mercenários’ feridos que lutavam para Kadafi foram mortos nas macas

Ao menos 23 corpos, 7 dos quais de feridos, estão espalhados em frente ao portão principal de Bab al-Azizia

TRÍPOLI – Em frente ao portão principal de Bab al-Azizia, o quartel-general de Muamar.

O Estado contou 23 corpos, a maioria de negros, que os rebeldes afirmam serem “mercenários africanos”. Havia na praça um acampamento militar, primeira linha de defesa desse ponto nevrálgico do poder. Além das tendas verdes e beges, há duas brancas e uma ambulância com emblemas do Crescente Vermelho, o equivalente muçulmano da Cruz Vermelha. Os feridos não foram poupados, mas executados em suas macas.

Dois dos mortos estavam recebendo soro nas veias. Quatro foram fuzilados dentro de uma das tendas do Crescente Vermelho. Um morreu debruçado no piso da ambulância. Sem treinamento militar, os rebeldes passam pela cena sem se importar particularmente com o fato de um repórter estrangeiro estar fotografando o que parece ser mais uma violação das normas que regem os combates.

Um repórter da BBC encontrou na quinta-feira os corpos de 17 homens no hospital do bairro de Mitiga, em Trípoli, com marcas de balas que pareciam ter sido disparadas à queima-roupa. Um deles aparentava ter 15 anos. Um ferido numa maca do hospital afirmou que era o único sobrevivente de um massacre. Ele disse que os homens, leais a Kadafi, foram torturados durante dias, antes de serem obrigados a ajoelhar-se diante de um muro e fuzilados.

A Cruz Vermelha fez um apelo aos rebeldes para que sigam as normas internacionais de guerra. A Anistia Internacional fez advertência semelhante, depois de receber relatórios de seus observadores na Líbia, de abusos tanto por parte dos rebeldes quanto das forças leais a Kadafi. Um garoto de 15 anos, recrutado pelo regime e depois capturado pelos rebeldes num acampamento militar em Zawiya, contou: “Eles me fizeram ajoelhar no chão e pôr as mãos na cabeça. Então um deles mandou me levantar e me deu um tiro no joelho à queima roupa. Caí no chão e eles continuaram batendo com a culatra dos fuzis em todo o meu corpo e na cara.”

Quando avançavam para Trípoli, os rebeldes receberam instruções do Conselho Nacional de Transição (CNT) sobre as convenções internacionais acerca da guerra. Mas aparentemente alguns se esqueceram, não as receberam ou as ignoraram.

O dia transcorreu mais tranquilo ontem em Trípoli, depois que na véspera os rebeldes assumiram o controle da prisão de Abu Salim, apoiados por bombardeios da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Aviões da aliança ocidental sobrevoavam ontem o bairro de Abu Salim, à procura de movimentações e armamentos das forças leais a Kadafi.

Um ajudante de ordens do comandante da Brigada Trípoli, Mahdi Harati, disse ontem à noite ao Estado que os combatentes rebeldes tentariam hoje rechaçar as forças leais ao regime que estão mobilizadas em Salahuddin, ao sul de Abu Salim, na periferia de Trípoli. “Eles (os soldados pró-Kadafi) estão com peças de artilharia de 14,5 milímetros (antitanque) e será um combate pesado”, disse o rebelde.

À noite, os disparos de artilharia e de fuzis-metralhadoras, ouvidos durante o dia, intensificaram-se em Trípoli, numa mescla indistinguível de escaramuças, intimidações e simples celebrações por parte dos rebeldes. A capital amanheceu sem água. Em entrevista coletiva, à noite, o chefe do Conselho Militar de Trípoli, o comandante rebelde Abdel Hakim Belhaj, admitiu que os combatentes não têm controle sobre as fontes de água que abastecem a cidade, situadas a cerca de 500 km ao sul, no Deserto do Saara, em redutos de Kadafi. As forças leais ao regime podem ter sabotado o fornecimento, disse Belhaj. Num verão em que a temperatura se aproxima dos 40 graus, com os líbios já enfrentando as agruras do Ramadã, o mês sagrado muçulmano, em que têm de jejuar durante o dia, o corte de água pode deteriorar as condições de vida em Trípoli.

Falta também eletricidade. “Ficamos sabendo que a mesa de controle da eletricidade fica em Bab al-Azizia”, disse ao Estado Tawfiq al-Jeraib, coordenador civil de operações. “Estamos tentando descobrir que é o responsável por ela. Esse era um país governado por uma pessoa pelo telefone, e por seu filho. Não há estrutura de governo.”  

Grande quantidade de tropas rebeldes concentrava-se ontem perto de Sirte, cidade natal e reduto de Kadafi, 400 km ao sul de Trípoli. Depois de intensos bombardeios da Otan, os rebeldes preparavam-se para invadir a cidade.

Um dos 23 corpos espalhados em frente a Bab al-Azizia/ Lourival Sant`Anna

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