Protestos causarão deserções, diz coronel

Força de elite que ainda apoia Kadafi o abandonaria para evitar um banho de sangue

BENGHAZI – Por ora as Forças Armadas rebeldes não planejam um ataque a Trípoli. Os militares que aderiram ao movimento popular iniciado no dia 15 preferem esperar que um número ainda maior de manifestantes saia às ruas da capital. Eles acreditam que os protestos atrairão a adesão dos Kataeb Amnia, literalmente os Quartéis de Segurança, as unidades especiais que protegem o ditador Muamar Kadafi, como aconteceu em Benghazi, a segunda maior cidade líbia.

Foi o que disse ontem ao Estado o coronel Gazi Kalifa el-Shatiti, do Exército regular líbio. “Estamos esperando para ver”, disse El-Shatiti, de 44 anos, há 29 no Exército. “Não queremos mais derramamento de sangue.” Mas ele acrescentou, referindo-se ao resultado provável de um aumento das manifestações na capital: “Se mais gente morrer em Trípoli, os Kataeb Amnia também mudarão de lado.”

O coronel disse que todo o leste e o sul da Líbia estão nas mãos das forças oposicionistas. Segundo ele, somente Trípoli, onde vivem 2 milhões dos 6 milhões de habitantes do país, e Sirte, reduto da tribo de Kadafi, com cerca de 200 mil habitantes, seguem firmemente sob controle do governo. A situação de Sabha, de 400 mil habitantes, não estava clara ontem à tarde. As três cidades ficam a oeste de Benghazi, distante 1.000 km de Trípoli.

El-Shatiti afirmou que o primeiro posto de controle das forças leais a Kadafi está situado na entrada de Sirte, 300 km a oeste de Benghazi. Segundo o coronel, Trípoli está protegida por 18 postos de controle das forças que apóiam o regime no flanco oeste, na estrada até Zawiya, que caiu nas mãos dos rebeldes no fim de semana, e outros 24 no flanco leste, até Sirte.

El-Shatiti estima que os Kataeb Amnia tenham entre 5 mil e 6 mil homens, dos quais entre 100 e 200 oficiais. Já as Forças Armadas regulares têm 25 mil oficiais e um número não determinado de suboficiais e soldados, que está aumentando agora, com o recrutamento e treinamento em massa de voluntários para lutar contra o regime. Apesar da superioridade numérica, El-Shatiti reconhece que as forças especiais são muito mais bem equipadas e treinadas do que o Exército regular.

Os Kataeb Amnia abrangem as três armas: força terrestre, marítima e aérea. São unidades de elite, que incluem a Brigada Khamis, comandada por um dos filhos de Kadafi de mesmo nome. “Eles têm um arsenal que pode destruir o país, mas não têm o coração dos soldados”, ressalva o coronel. Foi por isso, afirma ele, que Kadafi empregou mercenários de outros países na repressão aos protestos.

El-Shatiti admite que as adesões tribais influem na distribuição do poder no interior das Forças Armadas. Cada corpo do Exército, como engenharia, infantaria, inteligência, etc., é comandado por uma tribo diferente. Mas os comandos militares desenham círculos ao redor de Kadafi. Os integrantes das famílias, tribos e clãs mais próximos de Kadafi são também aqueles que ocupam posições mais estratégicas nas Forças Armadas. Por outro lado, disse o coronel, muitos integrantes da tribo do ditador, Al-Gaddadfa, participaram dos protestos em Benghazi.

Kadafi atraiu o ódio de parte de sua tribo em episódios de violência, como o assassinato de um primo distante, Hassan Shkal, em 1986. Shkal foi impedido no aeroporto de sair do país e foi tirar satisfação com o primo no palácio. Acabou morto a tiros por um de seus guarda-costas.

As manifestações contra o regime continuaram ontem em Benghazi e em Trípoli. Mesmo assim, Kadafi negou a sua existência, em entrevista a três canais de TV internacionais. “Não há manifestações contra mim”, garantiu o ditador. “O povo me ama, morreria para me proteger.” Segundo ele, os manifestantes “são pessoas de fora, disfarçadas de líbios”. Ele insistiu ainda na tese de que os manifestantes agem sob a influência de drogas fornecidas pela Al-Qaeda.

Um vídeo que circulava ontem na internet mostra Saif, um dos filhos de Kadafi, brandindo um fuzil automático sobre um tanque e prometendo distribuir armas para a população resistir contra a revolta. Isso não parece ter dado muito certo até agora. Circulava ontem em Benghazi a notícia de que Kadafi enviou 15 milhões de dinares líbios (US$ 18,75 milhões) e armas para a cidade de Koufra, no sul. Os líderes tribais agradeceram as armas e o dinheiro e avisaram que iriam usá-los contra Kadafi.

Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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