Alta votação favoreceria opositor

Comparecimento recorde, em tese, seria uma amostra do descontentamento com o regime teocrático

TEERÃ – É tão improvável que a oposição iraniana venha a provar que houve fraude na eleição presidencial de sexta-feira quanto que o governo consiga convencer a maioria dos observadores independentes de que o presidente Mahmud Ahmadinejad obteve 63% dos votos válidos, ante 34% para o candidato moderado Mir Hossein Moussavi, 2% para o conservador Mohsen Rezai e 1% para o reformista Mehdi Karroubi. Mas analistas e eleitores comuns observam uma sequência de fatos intrigantes nessa eleição, que sugerem que a história não está bem contada.

Segundo o Ministério do Interior, o comparecimento foi de 85%, o que ultrapassa o recorde anterior, de 80%, em 1997, quando o reformista Mohammed Khatami venceu o conservador Ali Akbar Nateq-Nuri com 69% dos votos. Desde então, há um consenso entre os analistas de que o alto comparecimento favorece os que se opõem aos conservadores. Isso porque os eleitores que não votam são em geral aqueles que rejeitam como um todo o regime teocrático instituído pela Revolução Islâmica de 1979. Foi o que aconteceu em 2005, quando a decepção com o fracasso de Khatami em realizar as reformas prometidas levou a um comparecimento de 48% no segundo turno, contribuindo para a vitória de Ahmadinejad, representante do clero conservador.

A oposição dispunha de um fiscal para cada cinco urnas eleitorais. A coordenação do seu trabalho estava baseada no uso de mensagens por sms. A rede entrou em colapso – assim como páginas na internet usadas na mobilização dos oposicionistas, incluindo o site de relacionamentos Facebook. A oposição afirma que seus fiscais foram impedidos de acompanhar a contagem dos votos e a sua centralização, em Teerã. O Irã não admite observadores internacionais. Não há pesquisas de opinião confiáveis.

A contagem dos votos é manual. Na noite da eleição, uma repórter da TV estatal disse ter sido informada de que os primeiros resultados preliminares seriam anunciados entre 5 e 6 horas da manhã de sábado. Inesperadamente, 15 minutos antes de a votação encerrar-se, à meia-noite, a Comissão Eleitoral anunciou os resultados de 5 milhões de votos, ou 19,42% do total. Ahmadinejad disparava na frente, com 69,04%, ante 28,42% para Moussavi, que pouco antes havia anunciado que, pelos dados de que dispunha, havia ganhado a eleição.

Na entrevista coletiva que concedeu no domingo, Ahmadinejad descartou a possibilidade de fraude. “Não sei por que estão questionando, se 40 milhões de pessoas participaram”, disse o presidente, referindo-se ao número de eleitores que compareceram. “Nosso sistema é muito coerente. O monitoramento é feito pelo próprio povo. A Comissão Eleitoral só realiza os preparativos, a logística.” Isso se aplica à votação, como ocorre no Brasil e noutros países. A contagem, no entanto, foi monopolizada pelo Ministério do Interior, afirmam os oposicionistas.

Os resultados em si também fogem a qualquer padrão eleitoral. De acordo com eles, Moussavi, de etnia azeri, teria sido derrotado até mesmo em Tabriz, a capital da província iraniana do Azerbaijão. Isso é considerado impossível por muitos iranianos. A votação de Karroubi também causou perplexidade. Ex-presidente do Parlamento, o reformista é um político conhecido. Não se previa que ele passasse ao segundo turno, mas se esperava uma votação expressiva. A contagem oficial atribui-lhe menos de 400 mil votos – 12 vezes menos que os 5 milhões de votos (18%) que ele obteve no primeiro turno da eleição presidencial de 2005. Karroubi chamou o resultado de “brincadeira”; Moussavi, de “perigosa charada”. Alguns de seus partidários sustentam que a votação dele e de Ahmadinejad foi trocada.

Muitos oposicionistas e independentes temiam manipulação dos resultados. Mas ninguém esperava que Moussavi nem sequer passasse para o segundo turno. Em suas entrevistas coletivas depois do anúncio dos resultados, o presidente e o ministro do Interior, Sadeq Mahsouli, evitaram entrar em detalhes sobre todos esses questionamentos, lidando com a vitória de Ahmadinejad como se fosse óbvia para todos. Essa atitude só aprofunda o ceticismo.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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