Ameaça externa fortalece aiatolás

Até entre os que se opõem ao governo, a hipótese de mudança forçada de regime não agrada

TEERÃ – A pergunta sobre o que virá depois pode ser respondida de duas formas: pelos cenários que se desenham em Teerã e pelos sinais emitidos pelo regime – e pelos próprios iranianos.

Entre diplomatas ocidentais – encarregados não só de informar seus governos, mas também de embarcar mulher e filhos na hora certa -, há os alarmistas e os sóbrios. Cada um com seu fragmento de informação. Os mais nervosos dizem que os EUA bombardearão as instalações nucleares iranianas em julho. Os mais calmos acham que não haverá ataque.

Julho é verão no Irã. As noites são claras. Supõe-se que isso seja bom para os bombardeiros. O timing diplomático também estaria maduro. As gestões européias estariam esgotadas – e desmoralizadas. “Os Estados Unidos terão provado que as críticas européias à invasão do Iraque eram infundadas”, diz um observador. O método americano se legitimaria politicamente.

“Não haverá ataque americano”, diz o embaixador em Teerã de um país aliado dos EUA. “Os americanos sabem que isso levaria a uma escalada incontrolável.” Esse é o ponto em comum entre os dois grupos de analistas: um ataque americano, por mais cirúrgico que fosse, desataria uma cadeia de reações difícil de conter. “O cenário é o de Sarajevo, 1914”, dramatiza um diplomata, referindo-se ao atentado que desencadeou a 1.ª Guerra Mundial. “Qualquer desdobramento é possível”, acrescenta o diplomata, que aposta num ataque americano em outubro.

Nos meios diplomáticos de Teerã, corre uma versão de que os Estados Unidos tentariam inverter a equação formulada em 2003. Dessa vez, tentariam “chegar a Bagdá via Teerã”. Ao derrubar o regime fundamentalista islâmico, os americanos neutralizariam, também, a sua influência sobre os grupos xiitas no Iraque.

As condições para a chamada “mudança de regime”, no entanto, parecem muito longe de estarem dadas. Não tanto pela aceitação do regime teocrático nem sequer pela popularidade do presidente Mahmoud Ahmadinejad. Mas porque, até entre aqueles que se opõem ao regime e ao governo, a idéia não parece promissora. “Há um ditado persa: é melhor o mal conhecido que o bem por conhecer”, diz um analista iraniano.

Mesmo os iranianos de classes média e alta aborrecidos com o regime lembram a experiência frustrante da própria Revolução Islâmica, que, depois de gerar expectativas, colocou no lugar da monarquia um regime pior, na sua visão.

Até aqui, a simples hipótese teve um efeito concreto: fortaleceu os instintos mais conservadores do governo de Ahmadinejad. Conforme prometido, a polícia começou ontem à noite a reprimir as mulheres que não seguem o estrito código de vestuário imposto pelo regime. Foram montadas blitze na Rua Jordan e na Avenida Valya-e-Asr, numa área de classe média no norte de Teerã, por onde passam muitos jovens de carro, paquerando. Os policiais examinavam as roupas e mandavam abrir os porta-malas, em busca de bebidas alcoólicas, que são proibidas, e drogas.

O curioso do hedjab, como é conhecido o mandamento de cobrir a cabeça e usar um vestido ou bata comprida sobre a calça para esconder completamente as curvas do corpo, é que ele é bem-visto por muitos homens de classe média considerados intruídos, e rejeitado pela maioria das mulheres nesse extrato. “O hedjab serve para proteger as mulheres”, diz Mohamad Moaien, 21 anos, estudante de direito na Universidade de Teerã. “Só não estamos de acordo com torná-lo uma obrigação”, emenda seu colega Ghossein Sadeghi. “Isso só afasta as pessoas da religião.”

“Deveria ser uma escolha pessoal”, opina Razieh Eslami, de 22 anos, também aluna do direito. “Achamos esse governo simplesmente ridículo”, resume sua colega Setareh Rosham. “Eles acham que estão no tempo da Revolução Islâmica.”

Ao reforçar suas bases conservadoras, Ahmadinejad pode romper o tênue equilíbrio entre o apoio de seu reduto político e do clero, de um lado, e a tolerância das classes média e alta, de outro. “O ímpeto reformista neste país é um leão adormecido”, compara o analista Saidi Laylaz. “Acordá-lo seria um erro fatal.”

As intenções americanas de mudar o regime podem ser inócuas. As conseqüências da reação do regime iraniano a essa ameaça é que podem ser imprevisíveis.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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