Campanha causa divisão na cúpula do poder no Irã

Líder ‘pragmático’ de dois órgãos do Estado, Rafsanjani entra em choque com Ali Khamenei, o chefe supremo

TEERÃ – A eleição presidencial de hoje no Irã não contrapõe apenas um candidato conservador, o presidente Mahmud Ahmadinejad, e um moderado, o ex-primeiro-ministro Mir Hossein Moussavi. Ela marca também a ruptura de um pacto de duas décadas entre Ali Akbar Hashemi Rafsanjani, presidente de dois órgãos vitais do Estado iraniano, e o líder espiritual e principal autoridade do país, Ali Khamenei. O resultado desse confronto é tão incerto quanto o das eleições; e potencialmente muito mais devastador.

Derrotado por Ahmadinejad nas urnas em 2005, Rafsanjani apoia Moussavi, como ele integrante da cúpula governante depois da Revolução Islâmica de 1979. Rafsanjani, líder da corrente “pragmática” da política iraniana, encabeça uma frente de conservadores e reformistas unidos para evitar a reeleição de Ahmadinejad, que consideram uma ameaça ao país.

Além das diferenças políticas, há disputas econômicas. Ahmadinejad tem preterido as bonyats, fundações convertidas em poderosas holdings em todos os setores da economia, dirigidas por clérigos. O presidente tem destinado os contratos do Estado e entregado ações das estatais a empresas criadas pelos Guardas Revolucionários e pelos Basijis, subordinados a Khamenei e vinculados a Ahmadinejad.

Ahmadinejad partiu na reta final da campanha para o ataque direto contra Rafsanjani, acusando-o e a sua família de corrupção e lavagem de dinheiro. Foi chamado de “mentiroso” pelos outros candidatos. Desde a Revolução de 1979 uma campanha presidencial não assumia um tom tão agressivo no Irã.

Khamenei, cuja função supostamente paira acima da política, mas que apoia tacitamente Ahmadinejad, criticou essa agressividade, sem citar diretamente o presidente, que continuou os ataques, prometendo “tirar todo o poder dos corruptos” se for reeleito. Em seu comício de encerramento de campanha, na quarta-feira, seus partidários gritaram “Marg bar Akbar shah”, ou “Morte ao rei Akbar” (Rafsanjani).

O ex-presidente enviou uma carta a Khamenei, exigindo que ele contenha Ahmadinejad, para evitar a desestabilização do país. A Assembléia dos Especialistas, composta por 86 clérigos, também presidida e controlada por Rafsanjani, nomeia o líder espiritual, supervisiona seu trabalho e pode destituí-lo. No sistema circular de poder iraniano, Khamenei também nomeia e pode destituir o presidente da Assembléia. Mas Rafsanjani tem o apoio da maioria dos clérigos, que poderiam rebelar-se.

A carta assinala o fim de uma fase de convivência entre os dois homens mais poderosos do país. Foi Rafsanjani que convenceu a Assembléia dos Especialistas em 1989 de que Khomeini queria Khamenei como seu sucessor, quando o candidato natural era o aiatolá Hossein-Ali Montazeri. Em troca, ficou como a eminência parda do regime.

“Khamenei acha que já retribuiu o favor, dando a Rafsanjani a presidência da Assembléia dos Especialistas, e que não lhe deve mais nada”, diz o analista político Hermidas Bavand, professor da Universidade Alameh Tabatabaee. Bavand acredita que a saída mais provável para o impasse seja a criação de uma liderança colegiada, com três a cinco membros, cuja presidência Rafsanjani ofereceria a Khamenei. “As decisões passariam a ser coletivas.” Essa modalidade de liderança é prevista na Constituição.

O analista político Mehrdad Serjooie, do Centro de Estudos Estratégicos, subordinado à Assembléia dos Especialistas, também acredita nesse desfecho. Segundo ele, há cerca de dois anos, os clérigos da Assembléia quiseram nomear Rafsanjani líder. Ele recusou e, um ano depois, voltou de um encontro com o líder xiita iraquiano Ali al-Sistani com a ideia de instituir a liderança colegiada.

O próprio Ahmadinejad, por outro lado, até aqui considerado submisso a Khamenei, parece acalentar projetos próprios, diz Bavand. “Ele está tentando mudar a sua fonte de sustentação política, das instituições comandadas pelo líder espiritual para uma base popular. Se ganhar a eleição, ele acha que não dependerá mais dessas instituições, e poderá assumir o status de herói dos despossuídos.”

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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