Classe média volta às urnas no Irã

Comparecimento nas eleições presidenciais de hoje pode passar dos 80%; objetivo é barrar reeleição de Ahmadinejad

TEERÃ – Eles tinham desistido. Depois da tentativa fracassada de reformas do ex-presidente Mohammad Khatami (1997-2005), os jovens e a classe média se desencantaram com a política. No segundo turno da eleição presidencial de 2005, o comparecimento não chegou a 50%. O desalento dos reformistas ajudou a eleger o presidente Mahmud Ahmadinejad. Hoje, eles podem fazer a diferença de novo. A julgar pelo que se viu nas ruas de Teerã nos últimos dias, estudantes, profissionais liberais e mulheres devem comparecer em massa para votar no moderado Mir Hossein Moussavi – que não chega a ser um reformista, mas parece o único capaz de derrotar o conservador Ahmadinejad.

É muito mais o sentimento de rejeição ao presidente do que de adesão ao programa de Moussavi – há 20 anos fora da política, depois que deixou o cargo de primeiro-ministro – que move os seus eleitores. Para eles, Ahmadinejad representa a imposição estrita da moral islâmica; o isolamento do Irã e a hostilidade do mundo diante da atitude de desafio com que conduz o programa nuclear, nega o Holocausto e o Estado de Israel; inflação e desemprego. Não há pesquisas confiáveis no Irã. Mas os outros dois candidatos, o reformista Mehdi Karroubi e o conservador Mohsen Rezai, não parecem ter chances.

“Em geral, não gostamos de nenhum deles, não temos muita esperança”, diz a arquiteta Marie Nuri, de 26 anos, o véu azul caído para trás, deixando aparecer os cabelos castanhos. “Mas Ahmadinejad é muito horrível, faz muita bobagem. Ou mudamos o sistema do país, ou vamos embora. Precisamos mesmo é de uma nova Revolução.”

Para muitos, a participação na campanha da mulher de Moussavi, Zaghra Rahnavard, professora de ciência política, simbolizou a possibilidade de um pouco mais de igualdade. Zaghra não é exatamente uma liberal. Ela liderou em 2000 uma campanha para que as mulheres usassem roupas coloridas no lugar do chador – que cobre dos pés à cabeça – preto, mas defende o uso do véu e é autora de uma peça em que o escritor Salman Rushdie, de Os Versos Satânicos, aparece como o Diabo. Moussavi foi um revolucionário islâmico e primeiro-ministro conservador (1981-89). É em contraste com Ahmadinejad que o casal parece moderno.

Ex-integrante dos Basijis, a milícia semi-estatal que impõe o código de vestimentas e comportamento islâmicos, Ahmadinejad defende costumes considerados arcaicos, como os homens poderem casar-se quatro vezes. Claro que ele não desagrada a todos os jovens e mulheres. “Nosso governo é religioso e não temos problema com o hejab”, disse a estudante do ensino médio Nargues Tehgan, de 18 anos, referindo-se à obrigação das mulheres de cobrir-se com o véu. Sob o forte sol de primavera, ela usava um chador preto no comício de Ahmadinejad, na quarta-feira.

“Muita gente morreu pelos ideais da Revolução Islâmica”, lembrou Mahmud Darzi, de 33 anos, estudante de teologia na cidade sagrada de Qom, com uma túnica e turbante. “Pouco a pouco, ela se desviou do rumo. Mas a maioria do povo ainda quer voltar ao caminho da Revolução.”

Ao lado dos valores da Revolução, Ahmadinejad buscou outra identificação – com os pobres. Além de se vestir, falar e se parecer com eles, e de viajar para o interior frequentemente, Ahmadinejad distribuiu dinheiro para 5,5 milhões de pobres, concedeu financiamentos para moradias e melhorias na zona rural. O presidente dobrou o salário dos funcionários públicos e as aposentadorias. “Amo Ahmadinejad”, disse a ex-professora Simi Jafari, de 50 anos, cuja aposentadoria aumentou do equivalente a R$ 400 para R$ 800.

Enquanto isso, os preços subiram, sobretudo nos supermercados não subsidiados, frequentados pela classe média. O litro do leite, que em 2007 custava o equivalente a R$ 0,50, saltou para R$ 1,20; o quilo do arroz aumentou nos quatro anos de governo de R$ 2,10 para R$ 4,10. “Os preços subiram muito, e só estão estáveis agora por causa da eleição”, disse Caroline Mahmudi, uma dona de casa de 32 anos. “Com esse custo de vida, é preciso votar em Moussavi.”

A inflação saltou de 6,5%, há quatro anos, para 14% nos últimos 12 meses; o último índice anualizado atingiu 23,6%. Ao mesmo tempo, o desemprego, que era de 10,5% em 2005, subiu para 13%, segundo o índice oficial, ou de 16% a 17%, de acordo com cálculos extra-oficiais. Para o economista Said Laylaz, essa combinação de inflação e desemprego é resultado da forma como o governo “desperdiçou e saqueou” a receita de US$ 300 bilhões de exportações de petróleo e gás nesses quatro anos. O dinheiro foi destinado ao consumo e não a investimentos na produção, que diminuiu, segundo Laylaz, que apoia Moussavi.

Toda essa situação criou uma polarização sem precedentes desde a Revolução de 1979. Embora ela tenha sido estimulada pelo presidente, pode prejudicá-lo nessa eleição. O diretor do Conselho Eleitoral, Kamran Daneshjoo, previu que o comparecimento poderá superar os 79,93% da eleição de 1997, quando Khatami obteve seu primeiro mandato. “Os que normalmente não votam, e poderão ir às urnas, são a oposição silenciosa ao regime”, diz Khosrow Soltani, editor do jornal Iran News.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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