Desemprego causa protesto no Irã

Trabalhadores reúnem-se diante da antiga embaixada americana e pedem a cabeça do ministro do Trabalho

TEERÃ – Símbolo do enfrentamento entre Irã e Estados Unidos, a antiga embaixada americana em Teerã foi pano de fundo de uma outra animosidade no 1.º de Maio. Cerca de 6 mil trabalhadores, segundo cálculos da polícia, se reuniram na Avenida Faleghani, em frente à embaixada – ou “Ninho de Espiões”, como é conhecido o palco da crise dos reféns de 1979 – para protestar contra o desemprego e a informalidade e exigir a cabeça do ministro do Trabalho e dos Assuntos Sociais, Mohamad Jahromi.

Os manifestantes, convocados pela União dos Sindicatos de Trabalhadores, acusaram Jahromi de ter vínculos com os bazaris, os ancestrais e ainda poderosos comerciantes do país, e de defender os interesses dos empregadores. Mas frisaram seu apoio ao presidente Mahmoud Ahmadinejad e ao regime teocrático.

“As leis trabalhistas são as leis do imam”, gritaram os manifestantes, numa referência ao líder da Revolução Islâmica de 1979, aiatolá Ruhollah Khomeini. “Deus é grande. Os trabalhadores sacrificam sua vida pelo guia (o líder espiritual do país, aiatolá Ali Khamenei).” Em meio a essas afirmações de apreço pelo regime, os manifestantes iam encaixado suas reivindicações: “As leis trabalhistas têm que ser cumpridas. Fora, Jahromi. Você não merece ser ministro do Trabalho. Deus é grande. Queremos empregos formais. Soltem os trabalhadores presos.”

Representantes dos cerca de 12 mil motoristas e cobradores de ônibus de Teerã, que formam um movimento independente, disseram que uma greve da classe por melhores salários e direitos trabalhistas terminou na prisão de 300 a 400 dos 600 grevistas. O salário da classe está na faixa de 2 milhões de riales (US$ 220), e um salário “decente”, segundo eles, seria de no mínimo 7 milhões (US$ 769).

“Está certo que a tecnologia nuclear é nosso direito, mas emprego também é”, argumentou Hejabe Sedakat, demitido há três anos de uma fábrica de açúcar, depois que ela foi privatizada. “É melhor parar essas privatizações.” Hoshang Jamshidi é outro que diz ter sido demitido há um ano, depois que a fábrica de eletrodomésticos Asmaiesh, na cidade de Shiraz, foi privatizada. “O empresário que comprou a fábrica tem outras 15, é um homem muito rico, mas demitiu 700 dos 1.400 operários”, afirmou Jamshidi.

Numa reunião no domingo com líderes sindicais, Ahmadinejad declarou-se a favor da desestatização das empresas, mas disse que, em vez de vendê-las a empresários, o governo deve passar sua gestão aos trabalhadores. “O povo é que deve administrar as empresas”, declarou o presidente, eleito no ano passado com o compromisso de fazer um governo para os mais pobres. Ele ordenou que seu ministro da Economia, Davoud Danesh-Jafari, reveja as privatizações, e que Jahromi acompanhe o tema.

O desemprego oficial está em 15%, mas estima-se que o “real” seja de 20%. Para uma força de trabalho de cerca de 24 milhões de pessoas, calcula-se que 4 milhões (16%) estejam subempregadas. O populismo de Ahmadinejad não tem ajudado. Desde que o presidente ordenou aumentos salariais de até 50%, a partir de 21 de março, quando começa o ano iraniano, 10 mil trabalhadores foram dispensados.

“Pedimos a Ahmadinejad que no seu gabinete coloque ministros que saibam manejar bem as coisas”, disse ao microfone Hassan Sadehi, do conselho executivo da União dos Sindicatos. “Este governo e o Parlamento apóiam os trabalhadores. Se não os ouvirem, vai ser perigoso, porque a maioria no governo e na sociedade é formada de trabalhadores, e eles vão perder o seu apoio.” O Parlamento tem poderes para destituir um ministro.

Havia indícios de que a manifestação foi apoiada por setores do próprio governo. “Não recebemos ainda o décimo-terceiro salário”, disse uma moça de cerca de 30 anos, que trabalha como secretária numa firma do governo. “Só estou aqui porque sou obrigada. Se não aparecemos aqui, pagamos o dobro da mensalidade na universidade.” O regime iraniano é um mosaico de grupos, que disputam espaços de poder continuamente.

Segundo um membro da União dos Sindicatos, que se identificou apenas como Mohamad, o ministro do Trabalho enviou cartas às fábricas estatais avisando que não era para comparecerem à manifestação de ontem. “Felizmente, os trabalhadores têm muito poder”, vangloriou-se. “O imam Khomeini valorizava muito esse dia, e o aiatolá Khamenei, também. O presidente Ahmadinejad apóia os pobres. Infelizmente, o ministro do Trabalho, não.”

Ao final da manifestação, um sinal de aprovação do governo estava numa camionete estacionada na avenida. Pertencente à Casa do Trabalhador de Teerã, sustentada pelo governo, ela distribuía água para os manifestantes. Sob o sol forte da primavera, policiais subiram em sua carroceria, não para dissolver o tumulto que se formou a seu redor, mas para pegar água para eles também. “Sempre estamos sob a vigilância do governo”, disse Hassan Abdel Yahi, 49 anos, demitido de uma fábrica de cristais em 1996 por sua militância em favor da formalização. “Só com permissão dele podemos fazer essa manifestação.”

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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