Irã busca ganhos políticos na Síria

Depois do acordo nuclear, iranianos manobram para enfraquecer rivais árabes sunitas

A trégua na Síria, costurada pelos governos turco e iraniano, é parte da estratégia do Irã de sair do isolamento e reduzir a influência de seu principal rival na região, a Arábia Saudita. Tanto a Turquia quanto o Irã e as monarquias árabes do Golfo Pérsico patrocinam grupos combatentes na Síria e no Iraque. No caso da Turquia e dos árabes, grupos sunitas; no caso do Irã, o grupo libanês Hezbollah, na Síria, os guerrilheiros curdos e milícias xiitas no Iraque.

Depois do acordo nuclear com os cinco países membros do Conselho de Segurança e a Alemanha, o governo conservador moderado do presidente Hassan Rouhani negocia agora a remoção de outro irritante para as potências ocidentais e a Turquia: seu apoio incondicional ao regime de Bashar Assad, e a ajuda aos combatentes xiitas e curdos. Há um ano, o presidente do Curdistão, Massud Barzani, revelou que o Irã foi o primeiro país a apoiar os peshmergas, quando o Estado Islâmico avançou pelo território iraquiano.

A Turquia tem um interesse imediato de impedir o estabelecimento de um “santuário” para os guerrilheiros curdos no norte da Síria, e de criar ali na região da fronteira uma zona de segurança.

Há três anos, quando o presidente Obama ameaçou atacar a Síria em punição pelo uso de armas químicas, foi o Irã quem apresentou uma solução para evitar a ação americana, arrancando de Bashar um compromisso de eliminar todo o seu arsenal de destruição em massa.

Agora, o Irã avança na busca de uma solução para a guerra civil síria. Nesta quarta-feira, o ministro das Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, discutiu com Bashar em Damasco o plano iraniano, que inclui cessar-fogo imediato, formação de um governo de união nacional, eleições sob supervisão internacional e proteção para as minorias alauíta e cristã.

O Irã já trava com a Arábia Saudita uma guerra por procuração no Iêmen. E está em desvantagem. A coalizão formada pela Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos enviou na semana passada um reforço de 3 mil homens, apoiados por tanques e veículos blindados, com cobertura de caça-bombardeiros. A força ocupou a estratégica base aérea de Al-Anad, expulsando os milicianos houthis, xiitas apoiados pelo Irã. Duas semanas antes, as tribos sunitas leais ao governo do Iêmen, apoiadas pelos sauditas, já haviam recuperado a cidade de Áden, segunda maior do país, das mãos dos houthis.

Na Síria, o Irã percebe uma chance real de garantir seus interesses regionais e ao mesmo tempo ter ganhos políticos pela via negociada.

Assim como aconteceu no acordo de 2012, por trás dessa iniciativa iraniana está a Rússia, a potência que tem servido de garante do regime sírio, fornecendo-lhe armas e vetando resoluções no Conselho de Segurança da ONU. Os Estados Unidos têm conversado com a Rússia sobre uma forma de acabar com a guerra civil. Partem da experiência bem sucedida do acordo nuclear iraniano.

Quem sai enfraquecido desse realinhamento são as monarquias árabes do Golfo, principalmente a Arábia Saudita, e o Estado Islâmico. Um dos envolvidos na trégua foi a Frente Al-Nusra, franquia da Al-Qaeda na Síria, que conta ou contou com o apoio das monarquias árabes, e agora atua em aliança com a Al-Fatah, a frente sunita patrocinada pela Turquia. O Estado Islâmico, por sua vez, deixou de gozar da complacência da Turquia, por cujo território circulava com desenvoltura. Ao mesmo tempo, o Exército iraquiano tem contido o avanço e desalojado o EI de algumas áreas.

O grupo realizou nesta quinta-feira o seu maior atentado a bomba, que deixou 76 mortos e mais de 200 feridos, em um mercado xiita em Bagdá. O recurso ao terrorismo é uma forma clássica de ameaça, pressão e chantagem quando não se tem ou se perde poder militar no terreno. É provável que, com a perda de oxigênio em sua guerra de guerrilha, o EI resvale cada vez mais para o terrorismo.

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