Iranianos votam sob boicote da oposição

Com ex-candidatos presidenciais presos, reformistas moderados e tecnocratas pedem que eleitores não compareçam

TEERà– Pela primeira vez desde a Revolução Islâmica de 1979, os iranianos vão hoje às urnas para eleger um novo Parlamento sob um boicote em massa da oposição. Com os principais candidatos da oposição na eleição presidencial de 2009, Mir Hossein Moussavi e Mehdi Karoubi, sob prisão domiciliar, e o Movimento Verde, que eles lideravam, banido, os reformistas moderados e tecnocratas pediram aos eleitores para não comparecerem às urnas hoje.

Com isso, a eleição se transformou em um voto plebiscitário, de aprovação ou não do regime. O tamanho das filas vai indicar se o Irã continua sendo uma “democracia religiosa”, como quer a propaganda do regime. Os conservadores, a única força política que restou, disputam poder entre si. De um lado, o líder espiritual, Ali Khamenei; de outro, o presidente Mahmud Ahmadinejad, que defende o regime islâmico, mas deseja mais poder para os líderes laicos, como ele, e menos para os aiatolás.

Ahmadinejad vem com fortalecido por uma espécie de “Bolsa Família” iraniana, que distribui US$ 40 por pessoa, com exceção dos 10% a 15% mais ricos. O programa foi desenhado para compensar a retirada, há um ano, dos subsídios aos alimentos básicos, à gasolina, ao gás, à eletricidade e à agua.

Em contrapartida, seu governo vem perdendo popularidade pelo aumento da inflação, que chegou a 22% ao ano, consequência em parte das sanções internacionais contra o programa nuclear por ele alardeado, e em parte também da condução da economia, que privilegia a destinação dos negócios mais rentáveis à Guarda Revolucionária, base de poder do presidente, em detrimento da iniciativa privada. A diminuição da produção e as dificuldades de importação explicam o aumento dos preços.

Sua imagem também foi prejudicada por um escândalo de corrupção, que envolveu empresários e deputados, que usavam cartas de créditos supostamente endossadas pelo presidente para fazer empréstimos que não pagavam.

Khamenei controla tentáculos importantes do Estado, como o Conselho Guardião, encarregado da vigilância do cumprimento dos preceitos islâmicos. O Conselho supervisiona as eleições, e veta candidatos que tenham atitudes “anti-islâmicas”. Além dos oposicionistas, há informações de que cerca de 100 partidários de Ahmadinejad teriam ficado nessa malha fina. Nenhum candidato critica abertamente Khamenei – do contrário, seria barrado pelo Conselho.

Em Teerã, há poucos sinais de campanha. Os moradores parecem mais preocupados com os preparativos do Nowruz, o ano novo persa, dia 20, e com as ameaças de um ataque israelense, do que com as eleições. “Não tenho esperança de que algo vá mudar”, disse Hamid, de 25 anos, que faz doutorado em matemática e como outros entrevistados não quis dar o sobrenome. “Um grupo vai sair, outro vai entrar, e tudo continuará na mesma.”

Ele conta que votou em Ahmadinejad na sua primeira eleição, em 2005. “Na época,  eu tinha muita esperança em ver justiça, principalmente para os mais pobres e a classe média baixa, mas não vi mudanças”, disse ele. Em 2009, votou em Moussavi, que, segundo muitos acreditam no Irã, foi o mais votado, mas teria sido vítima de fraude. “Decepcionei-me mais uma vez”, concluiu Hamid, explicando por que não ia votar hoje.

“Não voto desde 1998”, disse Leila, dona-de-casa de 32 anos, cujo marido trabalha na loja do pai. Seu último voto foi para o reformista Mohamed Khatami, eleito presidente em 1998. “Não o deixaram fazer nada”, lembrou Leila, referindo-se às pressões do líder espiritual contra as reformas que Khatami tentou implementar. “Agora, sentimos que os candidatos foram selecionados antes.”

O bancário Bahman, de 40 anos, disse que votaria em um candidato que não apoia Ahmadinejad. “A situação no Irã é terrível, cultural, social e economicamente”, resumiu. Sua mulher, Mariam, uma editora de livros de 40 anos, recusa-se a votar. “Temos de voltar para nossas raízes, nossa cultura”, afirmou ela, numa crítica velada ao regime islâmico. “No começo, a Revolução foi boa, mas depois ela se corrompeu.”

“Vou votar porque quero fazer parte do futuro do país”, disse Mehd Kalakzada, um vendedor de carros aposentado de 68 anos. “O governo está indo bem, tem ajudado a população com o subsídio”, elogiou, referindo-se aos US$ 40 por mês. “Não gosto da inflação, mas Ahmadinejad não é o único responsável por ela, há outros fatores.”
Seu amigo, um ex-funcionário público aposentado que não quis dar o nome, discorda: “Se houver um Deus, tem de fazer algo para nos devolver a vida que tínhamos há mais de 30 anos (antes da Revolução)”, disse ele. “Tudo era bom naquela época.” Mas advertiu o repórter, em um parque de Teerã: “Você não deveria fazer essas perguntas. Há satélites nos escutando.”

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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